quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Networking - Micropoderes



Networking (em inglês) rede de contatos - para Michel Foucault existe em todas as relações sociopolítico-econômico - rede de micropoderes, que se estabelecem em todos os lugares – familiares, regionais, locais - dentro do conjunto de possibilidades de conflitos - articulado horizontalmente, mas emergem difusas articulações verticais – institucionalização dos poderes plurais tendenciosamente para um centro político, para um poder aproximado do eixo de rotação.

Os micropoderes - poderes difusos, ou seja, poder de realizar mudanças no sentido das normas,  o poder de se promover a "mutação do discurso"; alterar a interpretação das normas para que os discursos possam acompanhar os anseios da sociedade que atuam pela persuasão e pelo desejo.

Os discursos de poder,

“(...) não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”. (FOUCAULT, p. 10, 2014).

O poder discursivo dos meios sociais, da difusão da rede de micropoderes - este grupo não se organiza no vazio, mas antes dentro de um quadro estrutural - de acordo com certas regras do jogo. Há uma estrutura de rede (network structure), uma relação de relações, uma rede de micropoderes sociais, onde o poder-saber permeia toda esta rede. “As relações de poder-saber não são formas dadas de repartição, são ‘matizes de transformações’”. (FOUCAULT, p. 108, 2013).

Dentro deste sociopolítico, poder-saber, existe um campo concentrado, uma governabilidade que coordena o organograma em sua delimitação entre os grupos, buscando uma estabilidade diante das tensões. “(...) deve-se pensar em duplo condicionamento, de uma estratégia, através da especificidade das táticas possíveis e, das táticas, pelo invólucro estratégico que as faz funcionar”. (FOUCAULT, p. 109, 2013).

Para concluir, Foucault ainda adverte: “Não existe um discurso do poder de um lado e, em face dele, um outro contraposto”. (FOUCAULT, p. 110, 2013). Os discursos são sempre elementos táticos de correlações de forças, ou seja, aqueles que participam dos blocos de rede de contatos “Networking” - podem existir discursos contrários e mesmo contraditório a rede, podem circular dentro destas redes sem modificar a forma estratégica oposta a elas (Networking); porque todo discurso veicula e sempre produz e reforça os micropoderes.

Referência

FOUCAULT. M. História da sexualidade: a vontade de saber, Rio de Janeiro: Paz & Terra. 2013.

FOUCAULT. M. A ordem do discurso, São Paulo: Edições Loyola. 2014. 

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Resumo: "Idealismo hegeliano"



Considera-se idealismo como o primado do Eu subjetivo. O que não significa necessariamente reduzir a realidade ao pensamento. O postulado básico é que Eu sou eu. Idealismo subjetivo: existir é ser percebido. Idealismo absoluto: a única realidade plena e concreta é de natureza espiritual.

Estágios da consciência:

- consciência sensível (percepção);
- consciência infeliz (enorme autoconsciência que queremos dar sentido a tudo e nos sentimos isolados);
- consciência em-si-para-si (Espírito Absoluto) consciência ligada à ação, para transformar algo/mundo.

Dialética Hegeliana:

- dialética do senhor e do escravo (a questão entre eu e o outro);
- dialética do ser “O ser e o nada é um e o mesmo;”
- dialética da essência “A essência é o ser enquanto aparecer em si mesmo;”
- dialética do conceito “O conceito é a unidade entre o ser e a essência.”
Ninguém é o que é por acaso; os homens são filhos do seu tempo.

“A filosofia é a ave de Minerva que alça o seu voo logo ao cair da tarde.” (A ave de Minerva é a coruja da deusa Atena - Grécia (Minerva). - Roma), que essa ave que tudo conhece que é a sabedoria que tanto a buscamos só pode enxergar as coisas que passaram, ela enxerga as coisas de cima, é compreensiva. Hegel tenta mapear todo o histórico para justificar as coisas.

“O que quer que aconteça cada individuo é sempre filho de sua época; portanto, a filosofia é a sua época tal como apreendida pelo pensamento. É tão absurdo imaginar que a filosofia pode transcender sua realidade contemporânea quanto imaginar que um indivíduo pode superar seu tempo, saltar sobre Rodes.”

 A filosofia de Hegel é a tentativa de considerar todo o universo como um todo sistemático. O sistema é baseado na fé. Na religião cristã, Deus foi revelado como verdade e como espírito. Como espírito, o homem pode receber esta revelação. Na religião a verdade está oculta na imagem; mas na filosofia o véu se rasga, de modo que o homem pode conhecer o infinito e ver todas as coisas em Deus. 

O sistema de Hegel é assim um monismo espiritual, mas um monismo no qual a diferenciação é essencial. Somente através da experiência pode a identidade do pensamento e o objeto do pensamento ser alcançado, uma identidade na qual o pensar alcança a inteligibilidade progressiva que é seu objetivo. Assim, a verdade é conhecida somente porque o erro foi experimentado e a verdade triunfou; e Deus é infinito apenas porque ele assumiu as limitações de finitude e triunfou sobre elas. 

Similarmente, a queda do homem era necessária se ele devia atingir a bondade moral. O espírito, incluindo o Espírito infinito, conhece a si mesmo como espírito somente por contraste com a natureza. 

O sistema de Hegel é monista pelo fato de ter um tema único: o que faz o universo inteligível é vê-lo como o eterno processo cíclico pelo qual o Espírito Absoluto vem a conhecer a si próprio como espírito (1) através de seu próprio pensamento; (2) através da natureza; e (3) através dos espíritos finitos e suas auto-expressões na história e sua auto-descoberta, na arte, na religião, e na filosofia, como um com o próprio Espírito Absoluto. 

O compendio do sistema de Hegel Enciclopédia das Ciências Filosóficas, é em três partes: Lógica, Natureza e Espírito. O método de exposição é dialético. Acontece com frequência que em uma discussão duas pessoas que a princípio apresenta pontos de vista diametralmente opostos depois concordam em rejeitar suas visões parciais próprias e aceitar uma visão nova e mais ampla que faz justiça à substância de cada uma. Hegel acreditava que o pensamento sempre procede deste modo: começa por lançar uma tese positiva que é negada imediatamente pela sua antítese; então um pensamento seguinte produz a síntese. Mas esta síntese, por sua vez, gera outra antítese, e o mesmo processo continua uma vez mais. O processo, no entanto, é circular: ao final, o pensamento alcança uma síntese que é igual ao ponto de partida, exceto pelo fato de que tudo que estava implícito ali foi agora tornado explícito (tudo que estava oculto no ponto inicial foi revelado?) 

Assim o pensamento propriamente, como processo, tem a negatividade como uma de seus momentos constituintes, e o finito é, como a auto-manifestação de Deus, parte e parcela do infinito mesmo. O sistema de Hegel da conta desse processo dialético em três fases: 

Lógica: O sistema começa dando conta do pensamento de Deus "antes da criação da natureza e do espírito finito", isto é, com as categorias ou formas puras de pensamento, que são a estrutura de toda vida física e intelectual. Todo o tempo, Hegel está lidando com essencialidades pura, com o espírito pensando sua própria essência; e estes são ligados junto em um processo dialético que avança do abstrato para o concreto. Se um homem tenta pensar a noção de um ser puro (a mais abstrata categoria de todas), ele encontra que ela é apenas o vazio, isto é, nada. No entanto, o nada "é". A noção de ser puro e a noção de nada são opostas; e no entanto cada uma, quando alguém tenta pensa-la, passa imediatamente para a outra. Mas o caminho para sair dessa contradição é de imediato rejeitar ambas as noções separadamente e afirma-las juntas, isto é, afirmar a noção do vir a ser, uma vez que o que ambas vem a ser é e não é ao mesmo tempo. O processo dialético avança através de categoria de crescente complexidade e culmina com a idéia absoluta, ou com o espírito como objetivo para si mesmo. 

Natureza: A natureza é o oposto do espírito. As categorias estudadas na Lógica eram todas internamente relacionadas umas às outras; elas nascem umas das outras. A natureza, no entanto, é uma esfera de relações externas. Parte de espaço e momentos do tempo excluem-se uns aos outros; e tudo na natureza está em espaço e tempo e assim é finito. Mas a natureza é criada pelo espírito e traz a marca de seu criador. As categorias aparecem nela como sua estrutura essencial e é tarefa da filosofia da natureza detectar essa estrutura e sua dialética; mas a natureza, como o reino da "externalidade", não pode ser racional sequencialmente, de modo que a racionalidade prefigurada nela torna-se gradualmente explícita quando o homem aparece. No homem a natureza alcança a autoconsciência. 


Espírito: Aqui Hegel segue o desenvolvimento do espírito humano através do subconsciente, consciente e vontade racional. Depois, através das instituições humanas e da história da humanidade como a incorporação e objetivação da vontade; e finalmente para a arte, a religião e filosofia, na qual finalmente o homem conhece a si mesmo como espírito, como um com Deus e possuído da verdade absoluta. Assim, está então aberto para ele pensar sua própria essência, isto é, os pensamentos expostos na Lógica. Ele finalmente voltou ao ponto de partida do sistema, mas no roteiro fez explícito tudo que estava implícito nele e descobriu que "nada senão o espírito é, e espírito é pura atividade". 

Nos trabalhos políticos e históricos de Hegel, o espírito humano objetiva a si próprio no seu esforço para encontrar um objeto idêntico a si mesmo. A Filosofia do Direito cai em três divisões principais. A primeira trata da lei e dos direitos como tais: pessoas (isto é, o homem como homem, muito independentemente de seu caráter individual) são o sujeito dos direitos, e o que é requerido deles é meramente obediência, não importa que motivos de obediência possam ser. O Direito assim é um abstrato universal e portando faz justiça somente ao elemento universal na vontade humana. O indivíduo, no entanto, não pode ser satisfeito a menos que o ato que ele faz concorde não meramente com a lei, mas também com suas próprias convicções conscientes. Assim, o problema no mundo moderno é construir uma ordem política e social que satisfaça os anseios de ambos. E Assim, nenhuma ordem política pode satisfazer os anseios da razão a menos que seja organizada de modo a evitar, por outra parte, a centralização que faria os homens escravos ou ignorar a consciência e, por outro lado, um antinomianismo que iria permitir a liberdade de convicção para qualquer indivíduo e assim produzir uma licenciosidade que faria impossível a ordem política e social. O estado que alcança essa síntese apoia-se na família e na culpa. É diferente de qualquer estado existente nos dias de Hegel; é uma forma de limitada monarquia, com governo parlamentarista, julgamento por um júri, e tolerância para judeus e dissidentes. 

Na filosofia da história pressupôs que a historia da humanidade é um processo através do qual a humanidade tem feito progresso espiritual e moral e avançado seu autoconhecimento. A história tem um propósito e cabe ao filósofo descobrir qual é. Alguns historiadores encontraram sua chave na operação das leis naturais de vários tipos. A atitude de Hegel, no entanto, apoiou-se na fé de que a história é a representação do propósito de Deus e que o homem tinha agora avançado longe bastante para descobrir o que esse propósito era: ele é a gradual realização da liberdade humana. 


O primeiro passo era fazer uma transição da vida selvagem para um estado de ordem e lei. Estados têm que ser encontrados por força e violência; não há outro caminho para fazer o homem curvar-se à lei antes dele ter avançado mentalmente tão longe suficiente para aceitar a racionalidade da vida ordenada. Vai haver um ponto no qual alguns homens aceitam a lei e se tornam livres, enquanto outros permanecem escravos. No mundo moderno o homem passou a apreciar que todo homem, como espíritos, são livres em essência, e sua tarefa é assim enquadrar instituições sob as quais eles serão livres de fato.


Principais obras: 

Fenomenologia do Espírito (1807) 

É uma introdução ao sistema lógico criado por Georg Wilhelm Hegel. Nesta obra encontramos a sequência das diferentes formas ou fenômenos da consciência. A consciência não parte do saber absoluto, mas conduz necessariamente a ele. Assim o pensamento pode situar-se na imediatez do absoluto, ser ciência da ideia absoluta. Esta ciência da consciência procede dialeticamente, num processo de constante afirmações e negações sucessivas, que conduz à certeza sensível ao saber absoluto. É o mesmo processo que serve à filosofia para manifestar a ideia. 

No percorrer das figuras fenomenológicas, o estado de inconsciência na relação com o objeto, em que as contradições vão levando a um reconhecimento pleno que a consciência faz de si mesma e da identidade essencial consigo mesma. Na “espiral dialética, a consciência percorre as seções da certeza sensível, a percepção, o entendimento, a verdade da certeza que a consciência tem de si mesma, a certeza e verdade da razão, a efetivação da consciência de si racional, a individualidade, e então o Espírito, a religião, e enfim, o saber absoluto. 

Enciclopédia das Ciências Filosóficas (1817) 

Obra sistemática que procura expressar a ideia de enciclopédia e como exposição abreviada da Ciência da Lógica (1812-1816). Nesta obra Hegel procura fazer essa apresentação das ciências a partir do raciocínio dialético. O fundamento do conteúdo enciclopédico é o saber absoluto da filosofia especulativa, sendo que esse mesmo conteúdo enciclopédico que era fim da filosofia do espírito é agora início da Lógica, levando a crer que o saber que é o fim é a verdade do começo. O saber que é o fim e é a verdade do começo se dá apenas na medida em que o saber absoluto (enciclopédico) se põe como mediação: deve ser mediatizado pelo seu próprio conteúdo, ao mesmo tempo que se compreende nessa mediatização. 

Princípios da Filosofia do Direito (1820) 

Manual publicado para o uso dos estudantes que assistiram às suas aulas na Universidade de Berlim. Esta obra tem uma influência muito grande para a teoria política e social, sobretudo para as várias correntes do marxismo e mesmo do liberalismo. Hegel desenvolve parte do seu sistema publicado na Enciclopédia das Ciências filosóficas (1817), correspondendo à teoria do espírito objetivo. É a parte prática de Hegel. O Espírito tende à liberdade, à completude. Busca encarnar-se adequadamente no mundo, como dever-ser, isto é, pelas normas que tornam possível a sua efetivação. A obra divide-se em um prefácio, o direito abstrato, a moralidade, a vida ética (a família, a sociedade civil e o Estado), e o direito público interno, nas suas várias formas de manifestação. 

Lições Sobre a Filosofia da História (Póstumo: 1937) 

Para Hegel, a Ideia, na Fenomenlogia do Espírito (1807), é realidade na história. O objetivo da história universal é que o espírito torne-se um saber verdadeiro e se realize no mundo presente de modo concreto, como objetividade. A racionalidade integral da história implica ainda a realização completa da moral e da liberdade. O sujeito da história é justamente o povo e seu espírito, em que a marcha dos acontecimentos leva à constituição do Estado, reunindo os costumes, a arte e o direito. O fim da história é justamente realizar a liberdade e a razão. Nessa obra, Hegel percorre, assim, os vários momentos enciclopédicos não como uma descrição dos fatos, mas como uma lógica do percurso histórico dos acontecimentos. 





terça-feira, 6 de setembro de 2016

Resenha – O nascimento da clinica - Michel Foucault


Este livro trata do espaço, da linguagem e da morte; trata do olhar. (FOUCAULT, 2011, VII). 

Foucault inicia sua abordagem sobre a linguagem: “a partir de que momento, de que modificação semântica ou sintática pode-se reconhecer que se transformou em discurso racional”? (FOUCAULT, 2011, IX).  O que ocorreu foi o deslocamento de um mundo dos objetos a conhecer; uma mudança entre o significante e o significado. A mutação do discurso deve ser dirigida à região em que as “coisas” e as “palavras” ainda estão interligadas (modo de ver e dizer; visível e invisível; o que se enuncia e o que é silenciado). O olhar loquaz do médico está centralizado a partir do nível da especialização e da verbalização fundante sobre o patológico: “Entre as palavras e as coisas se estabeleceu uma nova aliança fazendo ver e dizer às vezes, em um discurso realmente tão ‘ingênuo’ que parece se situar em um nível mais arcaico de racionalidade, como se se tratasse de um retorno a um olhar finalmente matinal”. (FOUCAULT, 2011, XI).   

A forma racional da medicina parte da percepção, neste momento o olho torna-se fonte de clareza. Foucault relata que segundo Descartes e Melenbranch: “ver era perceber”. (...) ”sem despojar a percepção do seu corpo sensível, torna-la transparente para o exercício do espírito”. Para Foucault a própria medicina moderna fixou sua data de nascimento, datando nos últimos anos do século XVIII: (...) “No final do século XVIII, ver consiste em deixar a experiência em sua maior opacidade corpórea; o solido; o obscuro, a densidade das coisas encerradas em si próprias têm poderes de verdade que não provem da luz, mas da lentidão do olhar que os percorre, contorna e, pouco a pouco, os penetra, conferindo-lhes apenas sua própria clareza.” (...) “Cabia a esta linguagem das coisas e, sem duvida, apenas a ela, autorizar, a respeito do individuo, um saber que não fosse simplesmente de tipo histórico ou estético”. (FOUCAULT, 2011, XII).

Até aqui é possível descrever que a experiência clinica foi abordada como um embate simplório, sem conceito, entre um olhar e um rosto, espécie de contato anterior a todo discurso e livre dos embaraços da linguagem, onde dois sujeitos estão em uma dialética comum, mas não recíproca: “A medicina dita liberal invoca, (...) os velhos direitos de uma clinica compreendida como contrato singular e pacto tácito de homem para homem”. (FOUCAULT, 2011, XIII); “A medicina como ciência clínica apareceu sob condições que definem, com sua possibilidade histórica, o domínio de sua experiência e a estrutura de sua racionalidade.” (FOUCAULT, 2011, XIV). Foucault aborda uma temática linguística em relação ao uso da palavra, colocando-a em seu âmago o comentário: “(...) comentar é, por definição, admitir um excesso do significado sobre o significante, um resto necessário não formulado do pensamento que a linguagem deixou na sombra, resíduo que é sua própria essência, impelida para fora de seu segredo.” (FOUCAULT, 2011, XV); Seu desdobramento será no que tange ao significante e o significado das palavras: “(...) um significante sempre permanece, a que ainda é preciso conceder a palavra; quanto ao significante, este se apresenta com uma riqueza que, apesar de nós, nos interrogar sobre o que ela ‘quer dizer’”. (FOUCAULT, 2011, XV).

Todo fato discursivo deve ser tratado como um acontecimento histórico e dialético entre o significante e o significado em constituição de seus sistemas estruturantes como símbolo de resignificação em ordem e métodos: “Falar sobre o pensamento dos outros, procurar dizer o que eles disseram é, tradicionalmente, fazer uma análise do significado”. (FOUCAULT, 2011, XVI).

O aparecimento da clínica como fato histórico, deve ser identificado com o sistema destas reorganizações. Esta nova estrutura se revela, mas certamente não se esgota na mudança que substituiu a pergunta: o que é que você tem? Por onde começava no século XVIII, o dialogo entre o médico e o doente, com uma gramática e seu estilo próprios, por outra que se reconhece no jogo da clínica e o principio de todo discurso: onde lhe dói”? (...) “A clínica..., deve sua real importância ao fato de ser uma reorganização em profundidade não só dos conhecimentos médicos, mas da própria possibilidade de um discurso sobre a doença”. (FOUCAULT, 2011, XVIII).

Ao final do prefácio Foucault relata que: “este livro não é escrito por uma medicina contra outra, ou contra a medicina por uma ausência de medicina”. (FOUCAULT, 2011, XVIII). O fato das coisas ditas pelo homem deve-se denotar seus pressupostos no principio das sistematizações em quesito há uma abertura a novos discursos e sua emergência em transformá-los.

Não houve, enfim, uma alteração dos conceitos, mas a descoberta de uma nova medicina (positiva), ou seja, de tal modo que a relação entre visível e invisível passou a fazer parte do olhar e da linguagem dos médicos. A clínica, que surge com a medicina moderna, passa a ser a nova experiência do médico com o perceptível e o enunciável, entre a doença e o organismo, entre a linguagem e a patologia. Aparece no campo do saber, uma reorganização da doença. A medicina do século XX, desenvolvida a partir da anátomoclínica, um tanto mais especializada. Foucault enfatiza, pela importância de sua ruptura, nas suas análises da clínica, que objetivou delimitar o espaço de desvelamento da doença em concomitância com a localização do mal no corpo. O olhar médico, antigamente, não se dirigia diretamente ao corpo, ao visível, mas aos intervalos de natureza, às lacunas, e às distâncias entre os signos, à doença: “o espaço do corpo e o espaço da doença têm liberdade de se deslocar um com relação ao outro”. (FOUCAULT, 2011, p.9).

A doença, com o olhar terciário, ganha uma dimensão social, passando agora a ser o centro de estudos e de atuações políticas para controle. O surgimento eminentemente terapêutico, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres, uma “institucionalização da miséria”, uma forma de impedir que existissem focos de desordem econômico e social; especialmente, de separação e exclusão social, pois o pobre portador de doença seria ainda mais perigoso, estigmatizando-o, portanto, na sua condição de miséria: Terciaria não significa que se trate de uma estrutura derivada e menos essencial do que as precedentes; ela implica um sistema de opções que diz respeito à maneira como um grupo, para se manter e se proteger, pratica exclusões, estabelece as formas de assistência, reage ao medo da morte, recalca ou alivia a miséria, intervém, reage as doenças ou as abandona a seu curso natural.  (FOUCAULT, 2011, p.16). Anteriormente as civilizações adoeciam menos, mas com o advento da burguesia, as doenças se diversificaram; a doença que era anteriormente tratada na residência, em  seu lugar natural, agora sofrerá uma intervenção, passando a ser tratada nos hospitais, sendo o mesmo uma espécie de estrutura artificial: “O hospital, como a civilização, é um lugar artificial em que a doença, transplantada, corre o risco de perder seu aspecto essencial”.” (...) Essa solidão povoada e esse desespero perturbam, com as sadias reações do organismo, o curso natural da doença”. “(...) O lugar natural da doença é o lugar natural da vida – a família: doçura dos cuidados espontâneos, testemunho do afeto, desejo comum da cura”.  (FOUCAULT, 2011, p.17-18).  

O hospital existia há tempos, porém a medicina como ciência não estivesse presente, era uma prática não hospitalar, e se destinava não como meio de cura. Mas antes de se operar essa mudança no olhar médico, e, sem dúvida da medicina e das instituições, os hospitais representavam, verdadeiros lugares de mortes coletivas. Resumia-se num lugar de transição entre a vida e a morte, de separação entre a população e os indivíduos perigosos à saúde geral. Os hospitais, sobretudo o Hospital Geral, até o século XVIII, como lugares de internamento, onde se misturavam loucos, doentes, devassos, prostitutas, como forma de exclusão, assistência e transformação espiritual. Os hospitais tinham, portanto, fundamental relevância para a disposição política do Estado, pois se tornavam indispensáveis à estrutura social, como forma de proteção: “O hospital, que em sua forma mais geral só traz os estigmas da miséria, aparece no nível local como indispensável medida de proteção. Proteção das pessoas sadias contra a doença; proteção dos doentes contra as práticas das pessoas ignorantes.” (FOUCAULT, 2011, p.44-45). A experiência de vigilância hospitalar, no interior da instituição esta a serviço de registrar as constâncias, as generalidades e os elementos particulares das doenças. Na formação do médico, se restringia a uma simples leitura dos poucos livros e de seguir os modelos padrões.

Entra-se aqui o momento da “crise” ou do “surto” era de suma importância, pois era somente ali que o médico interferia sobre o doente e a doença. Ficavam, separados os médicos, hospital e medicina, e um dos grandes fatores para a transformação dos hospitais como assistência para os hospitais terapêuticos, não foi simplesmente a busca de uma melhora da atuação dos hospitais, mas, sobretudo, a anulação dos efeitos negativos e nocivos ao desenvolvimento de novas patologias: “Será preciso conceber uma medicina suficientemente ligada ao Estado para que, de comum acordo com ele, fosse capaz de praticar uma política constante, geral, mas diferenciada de assistência; a medicina torna-se tarefa nacional”. (...) “A boa medicina deverá receber do Estado testemunho de validade e proteção legal; a ele cabe ‘estabelecer a existência de uma verdadeira arte de curar’”. (FOUCAULT, 2011, p.20-21).

Com a tecnologia política “disciplina”, os hospitais são deslocados para a periferia dos centros urbanos a fim de ofuscar da população sua real situação. A medicina presente nos hospitais, não é a partir de um cuidador religioso, pois o médico passa a ser a figura principal do hospital. Os médicos passam a acompanhar a vida dos doentes, antes destinadas aos abastados, quando iam pessoalmente às suas casas. Ganham um estatuto político: “A primeira tarefa do medico é, portanto política: a luta contra a doença deve começar por uma guerra contra os maus governos; o homem só será total e definitivamente curado se for primeiramente liberto”. (FOUCAULT, 2011, p.35). Surgem junto com os médicos, em virtude de uma alteração na medicina, uma nova hierarquia nos hospitais, compostas por enfermeiros, alunos, assistentes, etc., bem como uma nova visão dos doentes, que passam a ser identificados por pulseiras, formam-se bancos de dados e registros, transformando o hospital, não em simples terapia, mas, sobretudo, em cadastro documental, de acúmulo de saber e informação. Nesse contexto, o saber médico sai dos artigos e grandes tratados para fazer parte do dia-a-dia do hospital, e o ensino médico deve passar obrigatoriamente pelas práticas hospitalares, surgindo então a “clínica”, como espaço de organização do hospital e lugar de formação e transmissão de saber: “A medicina não deve mais ser apenas o corpus de técnicas da cura e do saber que elas requerem; envolverá, também, um conhecimento do homem saudável, isto é, ao mesmo tempo uma experiência do homem não doente e uma definição do homem modelo”. (FOUCAULT, 2011, p.37).

A medicina, agora no hospital, de forma singular analisa o doente e as suas doenças; os médicos e estudantes passam a observa-los, levando o ensino dos bancos escolares ao dia-a-dia hospitalar: “A clinica compreende duas partes: ‘no leito de cada doente o professor deter-se-á o tempo necessário para interrogá-lo de modo satisfatório, para examiná-lo convenientemente; fará dos alunos observarem os signos diagnosticados e os sintomas importantes da doença’; em seguida, o professor retomará no anfiteatro a história geral das doenças observadas nas salas do hospital: indicará as causas ‘conhecidas, prováveis e ocultas’, enunciará o prognostico e dará as indicações ‘vitais’, ‘curativas’ ou ‘paliativas’ (FOUCAULT, 2011, p.77). A clínica estabelece um novo código de saber, não sendo mais um mero olhar de um observador, mas o de um médico apoiado e justificado pela instituição, que passa a ter poder de decisão e intervenção, conjugando um domínio hospitalar, da prática, e um domínio pedagógico, do conhecimento: “(...) com relação a seu objeto, esta não deve, com efeito, ter lacunas; e não deve permitir desvio algum na linguagem em que ela o transcreve: “O rigor descritivo será a resultante de uma precisão no enunciado e de uma regularidade na denominação.” (FOUCAULT, 2011, p.125). Um olhar que escuta e um olhar que fala um novo equilíbrio entre a palavra e o fantástico: “Com relação ao ser individual e concreto, a doença nada mais é do que um nome; em relação aos elementos isolados de que está constituída, tem a arquitetura rigorosa de uma designação verbal.” (FOUCAULT, 2011, p.131).

A medicina moderna construiu a vida, pela primeira vez, como um objeto. A clínica moderna construiu a vida colocando-a sobre a mesa de dissecção, sob o signo do corpo inanimado que é analisado, do cadáver: “(...) A experiência da anatomoclínica... aquela em que se articulam as formas reconhecíveis da história patológica e os elementos visíveis que aparecem quando ela acaba... A abertura dos cadáveres é o meio de adquirir esse conhecimento; mas para que ela adquira uma utilidade direta... é preciso acrescentar-lhe a observação dos sintomas ou das alterações de funções, que coincidem com cada espécie de alterações de órgãos”. (FOUCAULT, 2011, p.149). Já a medicina construiu o objeto que é a vida a partir de seu contrário, da morte: “O olhar medico gira sobre si mesmo e pede à morte contas da vida e da doença; à sua imobilidade definitiva pede contas de seus tempos e de seus movimentos... Mas Bichat fez mais do que libertar a medicina do medo da morte; ele integrou a morte em um conjunto técnico e conceitual em que ela adquiriu suas características especificas e seu valor fundamental de experiência... Abram alguns cadáveres: logo verão desaparecer a obscuridade que apenas a observação não pudera dissipar. A noite viva se dissipa na claridade da morte”: (FOUCAULT, 2011, p.162). Foucault explica que é sob a luz da morte que nós podemos adentrar na obscuridade da vida. É graças ao esclarecimento que nos dar o cadáver, que podemos estudar cientificamente, que podemos enfim, entender o mistério e a obscuridade do corpo com a vida. A experiência da vida é obscura, mas o conhecimento do cadáver é claro.

No viés da patologia, perpassa por uma nova epistemologia da doença, uma nova análise do visível e do invisível, uma importante disposição do saber.A estrutura perspectiva clínica, e toda a medicina que dela deriva, é a da invisível visibilidade. A verdade que, por direito de natureza, é feita para o olho, lhe é arrebatada, mas logo sub-repticiamente revelada por aquilo que procura esquivá-lo”. (FOUCAULT, 2011, p.183). Para Foucault acabou o tempo da medicina das doenças e começa agora uma nova medicina, há das reações patológicas: “O espaço da doença é, sem resíduo nem deslizamento, o próprio espaço do organismo. Perceber o mórbido é uma determinada maneira de perceber o corpo”. (FOUCAULT, 2011, p. 212).

A grande revolução da medicina para Foucault é datada a partir do século XIX com Broussais, delimitando assim as estruturas médicas: “A revolução médica de Broussais lança os fundamentos em 1816 é, incontestavelmente, a mais notável que a medicina sofreu nos tempos modernos”. (FOUCAULT, 2011, p.214).  

Anterior ao nascimento da clínica a vida estava como objeto do poder. Foucault relata que a visão médica mudou no inicio do século XIX, quando surge a medicina moderna, e esta, não consiste apenas em uma mudança de visão sobre a vida, mas que foi a primeira que considerou a vida como um objeto. Foi o primeiro tipo de saber que tratou a vida como um objeto, ou seja, não tratou a vida como um princípio metafísico, e tampouco a tratou como uma essência do homem, mas que a tratou como um objeto, pesquisando seus mecanismos, dissecando-a para transformá-la em um objeto de saber-poder. Na constituição cientifica da vida, procurava-se a alma no corpo, em seguida, até então, procurava-se outra coisa, ou seja, um simples mecanismo que trabalha dentro de um organismo. “A doença se desprende da metafísica, do mal com quem, há séculos, estava aparentada, e encontra na visibilidade da morte a forma plena em que seu conteúdo aparece em termos positivos. Pensada com relação à natureza, a doença era negativo indeterminável cujas causas, formas e manifestações só se ofereciam de viés e sobre um fundo sempre recuado; percebida com relação à morte, a doença se torna exaustivamente legível, aberta sem resíduos à dissecção soberana da linguagem e do olhar. Foi quando a morte se integrou epistemologicamente à experiência medica que a doença pôde se desprender da contranatureza e tomar corpo no corpo vivo dos indivíduos”. (FOUCAULT, 2011, p.216-7).

Da Desrazão nasceu a Psicologia, da morte nasceu a Medicina; a finitude e a infinitude: “(...) a importância da medicina para a constituição das ciências do homem: importância que não é apenas metodológica, na medida em que ela diz respeito ao ser humano como objeto de saber positivo. A possibilidade de o individuo ser ao mesmo tempo sujeito e objeto de seu próprio conhecimento implica que se inverta no saber o jogo da finitude”. (FOUCAULT, 2011, p.217). E quanto a Clínica medica: A formação da medicina clínica é apenas uma das mais visíveis testemunhas dessas mudanças nas disposições fundamentais do saber”.  (FOUCAULT, 2011, p.219).


Referência

FOUCAULT. M. O Nascimento da Clínica, Ed. Forense Universitária, 7ª edição, 2011, 4ª reimpressão, 2015.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Felicidade, o que é?



Descrever, ouvir ou falar sobre o que é, ou o que venha a ser felicidade, tarefa não das mais simplórias. Este conceito de felicidade passa a largos passos da sua principal implicação. Se um sujeito entrevistado sobre os seus sentimentos e afetos, se coloca a respondê-las a priori é uma percepção intrínseca a autorrealização. O conceito de sentimento de felicidade, perpassa por aquele momento único e intransferível de alegria.

O conceito de felicidade é muito amplo, e está para além das palavras; ele é puro e simplesmente subjetivo em sentido lato. O sentimento afetivo de felicidade é strictu sensu, são sensações que se dá em um instante, ela é um estado de espírito; já a percepção é subjetivo e aqui implica sinceridade do sujeito com ele mesmo.

Em uma dissolução sobre quem é ou não é feliz, implicaria uma atitude ética; porque seria uma espécie de análise perspicaz que envolveria juízos de valor. Para um sentimento, um afeto enfim, colocar o outro neste posicionamento seria uma incapacidade dialética diante do olhar e do sentimento de outrem. Esta mensuração é e pode ser possível de sentir e perceber a partir do olhar sobre o outro numa dialética de espera aonde o corpo do outro demonstra, e é nesta leitura também subjetiva com implicações entre o significante e o significado (que não passa de uma subjetividade do observador).

Enfim, felicidade ou infelicidade é algo muito caro a humanidade, porque a felicidade é como uma espécie de termômetro para verificação das temperaturas emocionais de uma sociedade que tem sua cultura, seus costumes, suas histórias e suas transgressões; não seria possível colocar tudo dentro de um caixote e delimitar o que é e o que não é “felicidade”; poderia falar-se-á em “felicidades”? Então, felicidade seria uma sensação e uma percepção que é intransferível, é tão subjetivo que para uns pode ser o reconhecimento pessoal, já para outros um momento de alegria, etc...






terça-feira, 23 de agosto de 2016

Filosofia? Para que serve?




A filosofia trata dos “por quê”, enquanto a ciência dos “como”. O filosofo britânico Bertrand Russell, diz: “a Filosofia é a ciência dos resíduos”. Ele quer dizer que: quando um conhecimento obtém alguma precisão no campo filosófico, este perde o nome de Filosofia e ganha um nome específico: Física, Química, Psicologia, etc. Ela faz perguntas incessantes até obter respostas, ao longo do encontro de seu objetivo que é perguntar (colocar em interrogação tudo que lhe for duvidoso), as respostas vão surgindo e o que se torna cientifico sai do campo filosófico, e o que resta, são os resíduos para questionamentos filosóficos que implicam em novos conhecimentos. O valor da filosofia, na realidade, deve ser buscado, em grande medida, na sua própria incerteza. A filosofia, apesar de incapaz de nos dizer com certeza qual é a verdadeira resposta para as dúvidas que ela própria levanta, é capaz de sugerir numerosas possibilidades que ampliam os nossos pensamentos, livrando-os da tirania do hábito. Desta maneira, embora diminua o nosso sentimento de certeza com relação ao que as coisas são, aumenta em muito o nosso conhecimento a respeito do que as coisas podem ser; ela remove o dogmatismo um tanto arrogante daqueles que nunca chegaram a empreender viagens nas regiões da dúvida libertadora; e vivifica o nosso sentimento de admiração, ao mostrar as coisas familiares num determinado aspecto não familiar.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Reseha - A História da Loucura - Michel Foucault



          Toda a história dos inícios da psiquiatria moderna se revela falseada por uma ilusão retroativa segundo a qual a loucura já estava dada – ainda que de maneira imperceptível – na natureza. Loucura não é algo da “natureza” ou uma “doença”, mas um “fato de cultura”. A história da loucura, em suma, é a história da progressiva medicalização ocidental.

Na Idade Média o Louco era um “Visionário”. Na Renascimento, o Louco era “Outra Razão”; É louco porque a sociedade o é. Saber fechado, esotérico, que produz e manifesta a realidade de outro mundo, e nos entrega o homem essencial, que em sua natureza íntima é furor e paixão. Ex: as obras; Dom Quixote e O Elogio da Loucura. Na Idade Clássica, inicia com Descartes, fundador da filosofia moderna; identificou a loucura como algo que nos leva ao erro. No século XIX, o Louco passa a ser visto como “doente mental”. A partir desse momento, os loucos foram liberados do encarceramento e colocados sob cuidados médicos. Ao invés de correntes de ferro, passaram a ser medicados. Com a psicanálise, os loucos poderiam falar para os psiquiatras. O “louco” torna-se, ainda, um objeto de estudo, ou seja, distancia-se o “normal”, do “doente mental”, e torna-se o último objeto de um saber; aqui começa o mito do pseudo homem normal e do patológico. A loucura continua a ser vigiada e confinada pela razão; o médico, onipotente e onipresente é a autoridade que atua sobre o dito louco, representam o poder da razão de confinar a loucura.

No final da Idade Média, inicia-se a praga da lepra; o leprosário é logo povoado por incuráveis e loucos. As doenças venéreas começam a se multiplicar e os mesmo são internados com os leprosários, os desempregados, os criminosos e os desatinados. A loucura em uma relação entre consciência e experiência mística, era adquirida eles poderiam até ter acesso a verdades divinas.  Porém, o medievo interliga-se com outras épocas ao excluir os loucos da sociedade, o que difere é o motivo, que desta vez é para separar o sagrado das experiências terrenas.

“Este saber, tão inacessível e temível, o Louco o detém em sua parvoíce inocente. Enquanto o homem racional e sábio só percebe desse saber algumas figuras fragmentárias – e por isso mesmo mais inquietantes -, o Louco o carrega inteiro em uma esfera intacta: essa bola de cristal, que para todos está vazia, a seus olhos está cheia de um saber invisível”. (FOUCAULT, 2014, p. 21).

Foucault se lembra da antiga alegoria “A Nau dos loucos” usada na cultura ocidental em suas literaturas e pinturas. O âmago desta autocrítica, esta em que, ela vem descrevendo o mundo e a sociedade como uma espécie de “Nau” onde os passageiros ditos perturbados não sabem nem se preocupam para onde estão sendo levados. Em composições literárias e artísticas dos séculos XV e XVI, o motivo cultural da “Nau dos loucos” era uma analogia à arca de salvação “Cristianismo”. A “Nau dos loucos” era uma espécie de símbolo da consciência viva do pecado e do mal na mentalidade medieval e nas paisagens imaginativas da Renascença.

“A Nau dos Loucos atravessa uma paisagem de delícias onde tudo se oferece ao desejo, uma espécie de Paraíso renovado, uma vez que nela o homem não mais conhece nem o sofrimento nem a necessidade”. (FOUCAULT, 2014, p. 21).

Na Idade Média, não havia separação entre o sofrimento mental e o físico, mas o principal foco era a lepra. E como a Igreja Católica possuía uma suma importância em relação à sociedade, a lepra era repugnada por todos, pois ela era considerada um castigo divino. Tendo métodos radicais em busca da “salvação”, praticando o exorcismo ou tendo seus corpos queimados. Havia nas cidades medievais uma delimitação nítida dos espaços em que eram excluídos aqueles que não se adaptaram às normas da sociedade. Fora dos seus muros, os loucos, os leprosos. Dentro, os razoáveis, os civilizados.

“O abandono é, para ele, a salvação; sua exclusão oferece-lhe uma outra forma de comunhão”. (FOUCAULT, 2014, p. 6).

Na Modernidade, a loucura teve um novo tratamento, a terapia, que era chamada de “tratamento moral da insanidade”. Um dos métodos consista no afastamento do sujeito perante o meio em que ele obtém sua loucura. Um dos pontos importantes desta época são as crises econômicas europeias em que os hospitais psiquiátricos oferecem mão de obra barata, porém, existia um sentido duplo em que visava não apenas a produção, mas principalmente repressão. A loucura não era algo mental, mas também consistia na imoralidade. Sendo a concepção moderna de loucos: são animais de uma ferocidade natural, que precisa ser fisicamente revertida, não tendo mais relação com a humanidade, mas sim com a animalidade, logo mais esse lado animal passa a ser a felicidade natural que era reprimida pela sociedade. As casas de internação viram asilos, mas ainda eram trabalhos alguns métodos de internação e a loucura recebe sinônimo de doença. Representando a realização de um projeto que já existia há muito tempo: a dominação e intimidação social e política.

“A internação é uma criação institucional própria ao século XVII. (...) o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo; o momento em que começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade. As novas significações atribuídas a pobreza, a importância dada à obrigação do trabalho e todos os valores éticos a eles ligados determinam a experiência que se faz da loucura e modificam-lhe o sentido”. (FOUCAULT, 2014, p. 78).

Para Descartes o principio da loucura envereda no status de uma Desrazão; longínqua esta qualquer juízo falso ou verdadeiro, momento em que a loucura adentra em uma experiência crítica ela esta se coloca fora do lugar da razão, ela é o outro da razão, ou seja, a desrazão. Se a loucura tem o mesmo estatuto da razão, ela passa a ser o grande medo da desordem, e a solução é a grande internação na França do século XVII. A loucura a partir de Descartes passa a ter um estatuto moral, passa a ser patológico, entra no viés do desatino, ou seja, fora da razão. A desrazão da loucura está entre o significado ético e moral, o estatuto indeterminado do louco era tudo o que extrapolasse a ordem da razão, o que fugisse dos padrões, e o internamento dos alienados é a estrutura mais visível na experiência clássica da loucura. Na Idade Média o louco era a causa de uma vontade divina; a loucura na modernidade adentra não mais por esta mesma vontade divina, ela ganha o perfil de razão, passando a ter um significado moral.

“No caminho da duvida, Descartes encontra a loucura ao lado do sonho e de todas as formas de erro”. (FOUCAULT, 2014, p. 45). “A duvida de Descartes desfaz os encantos dos sentidos, atravessa as paisagens do sonho, sempre guiada pela luz das coisas verdadeiras; mas ele bane a loucura em nome daquele que duvida, e que não pode desatinar mais do que não pode pensar ou ser”. (FOUCAULT, 2014, p. 47).

Na Idade Média a loucura ainda tinha um sentido de lugar, um significado cosmológico ligado ao sagrado, na Renascença com a Nau dos Loucos, já não existe mais o lugar da loucura, o não-lugar físico que a loucura adquire como significado é o caráter de exclusão, propriedade e significação dessa propriedade, privação de lugar e espaço para o indivíduo, o não-lugar do louco cria-se o lugar do internamento. As práticas de intervenção sofrem alguns deslocamentos de significados; no século XVII a loucura passa a ter um sentido moral, a loucura como transbordamento do não dito, já no século XVIII deixa de ter um aspecto moral e passa a ser de cunho médico. O hospício moderno surge com o advento da internação do Marquês de Sade, onde o diagnóstico não é de loucura.  O problema de Sade não é insanidade, mas sodomia, em detrimento disto, ele vai à prisão e não para o manicômio, este paradigma resignifica o próprio conceito de loucura na modernidade. 

“O século XVII descobriu-a na perda da vontade:  possibilidade inteiramente negativa na qual a única coisa em questão era essa faculdade de desertar e de atenção no homem, que não é da natureza, mas da liberdade. O fim do século XVIII põe-se a identificar a possibilidade da loucura com a constituição de um meio: a loucura é a natureza perdida, é o sensível desnorteado, o extravio do desejo, o tempo despojado de suas medidas; é a imediatez perdida do infinito das mediações”. (FOUCAULT, 2014, p. 370).

A partir dos séculos XVII ao XIX, há uma mudança conceitual tendo-se o significado médico; inicia-se aqui a percepção que alguns loucos podiam ser tratados e acompanhados através de tratamentos médicos e o controle era manter o louco distante de locais insalubres. A significação médica e moral começa no mesmo período e neste mesmo período práticas de internação institucionais; aqui nasce o hospital geral na França. Foucault esta preocupado em desvelar o porquê do louco passa a ser um objeto olvidado no manicômio.  Do século XIX a contemporaneidade, a loucura é objeto de análise, inicia-se o positivismo da medicina e de toda a ciência como objeto de estudo e pesquisa. Os significados e as representações mudam, mas as práticas continuam as mesmas, internamento e exclusão. Essas práticas já estão presentes na origem da história da loucura, desde o século XIII, seja nos mosteiros, nas Naus, nos leprosários, etc. A psiquiatria só surge a partir do inicio do século XIX com Pinel até Charcot, antes, os médicos que visitavam os hospitais tinham o objetivo de controlar as pestes e doenças que aconteciam dentro das casas de internação, mas, não há ainda a questão da loucura como objeto de estudo da medicina. No século XVIII a medicina está em pleno desenvolvimento, Foucault desdobra uma relação entre significado moral e sentido terapêutico, mas o sentido terapêutico só se instaura do século XVIII para o século XIX. O médico diagnostica a capacidade do paciente determinando assim se o mesmo deve ou não viver em sociedade, o médico esta munido do estatuto jurídico; a análise feita do indivíduo pelo caráter moral torna-se mais relevante que a questão da saúde. Para Foucault o comportamento humano é construído, e não uma questão divina e imutável, tudo é uma construção histórica e cultural.

“A loucura, para o século XIX, terá um sentido inteiramente diferente: estará, por sua natureza e em tudo o que a opõe à natureza, bem perto da história”. (FOUCAULT, 2014, p. 374). “(...) primeiro: porque a loucura em sua aceleração constante forma como que uma derivada da história; e, a seguir, porque suas formas são determinadas pelas próprias formas do devir. Relativa ao tempo e essencial à temporalidade do homem”. (FOUCAULT, 2014, p. 375).

A loucura apresenta-se em ordem de norma social, a existência de uma loucura pré-existente é nula, o que existe são comportamentos desviados da normatividade burguesa, neste arcabouço a loucura é uma construção social, Foucault desmistifica a psiquiatria como a ciência da loucura, ele mostra como a loucura passou a ser objeto de análise e pesquisa só a partir do século XIX. Foucault relata que a psicanálise fala de uma estrutura psíquica pré-social; Foucault discursa que o social é anterior a estrutura psíquica, ele vai de encontro a Freud. Loucura é desatino da razão, Foucault sustenta que a sociedade precede a essa estruturação psíquica, é a cultura que forma e modela o sujeito. Essas práticas de domínio ético da insanidade vão produzir normas e descrever o domínio ético do internamento. A institucionalização do domínio ético cria o domínio da insanidade.

Os três elementos básicos da experiência Clássica da loucura são: Alienação da razão; distanciamento da loucura e do louco pelo internamento; e sujeição como forma de controle. A experiência moral do desatino na Idade Clássica é o solo, a base para entendimento da ciência, e só a partir do distanciamento e do encarceramento da loucura nos muros da razão, para permitir começar a entender e estudá-la como objeto de pesquisa científica. Para Foucault só existe o louco, a figura da loucura é criada no século XVII pela norma social. "Na verdade esse homem normal é uma criação". (FOUCAULT, 2014, p. 132). A insanidade no século XVII acaba ocupando o domínio moral, a partir desse domínio vai abrir as portas para os futuros estudos da psicologia, o que se passa na psique, na alma humana; da psiquiatria, do corpo doente, a loucura como patologia; e pela psicanálise, uma arqueologia do inconsciente (que iniciam a partir do século XIX). "Quando o século XIX decidir fazer com que o homem desatinado passe para o hospital, e quando ao mesmo tempo fizer do internamentonum ato terapêutico que visa a curar um doente, fa-lo-á através de um golpe de força que reduz a uma unidade confusa, mas para nós difícil de deslindar, esses temas diversos da alienação e esses múltiplos rostos da loucura, aos quais o racionalismo clássico sempre havia permitido a possibilidade de aparecer". (FOUCAULT, 2014, p. 134).

Dessa forma, para Pinel e Bichat, o internamento era o melhor meio de garantir a segurança pessoal dos loucos e sua família, ao libertá-los de influências externas. Lugar de vigilância e de trabalho como principal meio de cura. É o trabalho que dignifica o homem e transforma o alienado em um ser útil e dócil. Pinel sustentado suas ideias no tripé isolar/conhecer/tratar, onde o hospital representa o principal espaço do saber-poder médico. 


Referência
FOUCAULT. M. História da Loucura na Idade Clássica, Perspectiva, 10ª edição, 2014.


sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Resenha - Ensaio sobre o conhecimento aproximado - Gaston Bachelard


 Livro Primeiro - p. 13 -47

Bachelard antes de tentar alcançar ao conhecimento científico, ele vai examinando como as minúcias vão acumulando-se, reiterando que esses conhecimentos quando conservam as típicas grandes linhas descritivas, onde os predicados enaltecem o progresso temático, as qualidades ordenam-se para uma futura e possivelmente, promissora objetividade. 

I – Conhecimento e descrição:

   Como entender ou delimitar um conhecimento e sua descrição? “Conhecer é descrever para re-conhecer”. (BACHELARD, 2004, p.13). O conhecimento é sempre anterior a uma descrição; este deve ser minucioso e clarividente em sua construção essencial, como cita Bachelard: “(...) é preciso ser exaustivo, mas é preciso manter a clareza”. (Ibid, p,13). 

Em condições de possibilitar um conhecimento cientifico, é danoso e perigoso atribuir há uma espécie “monoteísta” de grau superlativo em categorizar um parâmetro e/ou um paradigma de conhecimento daquilo que é atribuído como real em stricto senso.“É um erro conferir ao conhecimento real um único sentido. (...) Priorizar a generalização em relação à verificação é desconsiderar o caráter hipotético de uma generalidade que só se justifica por sua comodidade ou clareza”. (Ibid, p,14). 

A filosofia tende para a sistematização enquanto a ciência para a descrição. A problematização que é encontrada nesta abordagem é que: “o conhecimento transmitido não é a mesma coisa que conhecimento como ato de criação” (Ibid, p,14). Neste arcabouço o signo tem atribuição significativa em detrimento do significado mesmo. “A tarefa de descrever mostra-se, portanto sempre imperfeita, e mais cedo ou mais tarde será preciso voltar ao concreto, já que a primeira abstração se afastou do fenômeno”. (Ibid, p,14).

A eminência descritiva dos dados de uma ciência será percebida no limiar central de uma teoria especifica para tal; e, no entanto, as condições de generalidade serão em sentido clarividentes em contextos reais e lógicos. “Logo, ao confiar no simples impulso da descrição, estamos fazendo com que o espírito humano aceite o sistema”. (Ibid, p,15).

Aqui há uma auto-síntese da descrição, que pode ter relevância por uma intuição, tendência, uma impressão porque todas estas possibilidades de conhecer perpassa por experiências e contatos entre o eu e o não-eu que em sua aparência não contanto epistemológico que neste caso especifico pode ser citado o sentimento religioso e o artístico.“Para o artista, conhecer é descrever para sentir. O lirismo aparece como um sistema coerente no qual o espírito é especialmente ágil e vivo”. (Ibid, p,16).

Bachelard relata sobre uma espécie de filosofia propulsiva, onde o pensamente do sujeito esta de acordo consigo mesmo sendo que de acorda com as categorias a priori do próprio espírito: “O método de busca transforma-se num método de construção, e o conhecimento se apresenta como necessariamente acabado. (...) Esse êxito inicial mais parece um sinal de fraqueza”. (Ibid, p,16). 

Em contraponto com o idealismo, o mesmo não consegue dar prosseguimento diante do continuo e do progressivo: “No idealismo, o conhecimento será afinal sempre inteiro, mas fechado a qualquer acréscimo. Só se moverá diante de cataclismos”. (Ibid, p,16).

Para Bachelard o problema do idealismo é a existência inegável de um erro em sua conjuntura que não pode ser eliminado em sua totalidade e deve-se contentar com simplórias aproximações. Como progresso epistemológico o idealismo mostra-se como hipótese de trabalho pouco fecundo e ilusório: “Ao contrario, como Meyerson comprova, a ciência costuma postular uma realidade”. (Ibid, p,16). 

Temos aí um problema binário entre a realidade e o conhecimento por que o conhecimento ele não pode ser nunca esgotado e demanda sempre novas e infinitas pesquisas. “A essência da realidade reside na resistência ao conhecimento. Vamos pois adotar como postulado da epistemologia o caráter sempre inacabado do conhecimento”. (Ibid, p,17). 

Com isso Bachelard não insiste em repetir as conclusões anteriores a ele em delimitar o alcance geral da ciência. Ele relata: “O ato de conhecimento não é um ato pleno. Se é realidade com facilidade é porque se desenvolve num plano irreal. Essa irrealidade é o preço de sua facilidade”. (Ibid, p,17).

A ação do espírito é definida em características pontuais provisórias e artificiais. O espírito impele gestos tão grandes que impede a complexidade e a finura da potencialidade do mundo e é neste panorama que o mundo acaba impressionando demasiadamente o espírito jovem. 

A arqueologia ingênua (Ibid, p,18), o sujeito está como um historiador, ou seja, sem fontes e como reviver os dados imediatos na consciência diante de um espírito imediato, sendo que não há lógica que extrapole este espírito. Em se tratando da introspecção é no fundo uma mera cultura; que é restaurada por uma lembrança diante de sua personalidade tentando reencontrar sua origem.

Nesta prospecção do imediato construído a partir de ordem dialética o dado é cultural, social e histórico não é possível à imediatização do mesmo, pois ele esta sempre em oposição à reflexão e pela própria reflexão quando ela se torna consciente ( Ibid, p,18); não há habito, categorias que o prenda; o dado é recíproco e provoca constantes ressonâncias e renova-se apresentando algo inédito ao espírito. “A fonte é um mero ponto geográfico e não contém a força viva do rio”. (Ibid, p,18). 

A decisão seria a consideração do fluxo do conhecimento de forma mista entre a reflexão e a distante de origens sensíveis. “(...) decidimos considerar o conhecimento em seu fluxo (...). O conhecimento em movimento é um modo de criação continua; o antigo explica o novo e o assimila; e, vice-versa, o novo reforça o antigo e o reorganiza. (Ibid, p,18-19).

Em relação às origens do conhecimento Bachelard pergunta se o epistemólogo e o físico não podem eximir-se desta carga, ele diz: “Por princípio, o espírito que conhece tem de ter um passado. (...) Essa inflexão do espírito, em direção ao passado, para responder à solicitação de um real inesgotável constitui o elemento dinâmico do conhecimento. (...) A retificação... o principio fundamental que sustenta e dirige o conhecimento e o instiga sem cessar a novas conquistas. (...) A fonte é um mero ponto geográfico e não contém a força viva do rio”. (Ibid, p,19). A retificação para Bachelard é suprassumo em sua problematização filosófica, ou seja, é retificar o pensamento diante do real. 


II – A retificação dos conceitos:


A conceptualização dos conceitos é passível de retificação porque os mesmo não conseguem dobrar-se para expressar uma experiência que já não se sustenta. Conceitos apoiados em imagens como base fundamental no seleto sensitivo.“Se levássemos a comparação ao limite metafísico, poderíamos dizer o mero fato de o espírito ser um centro já traz consigo o caráter abstrato do conhecimento. Temos um único cérebro para pensar tudo”. (Ibid, p,22).

Lembrando que esse movimento do pensamento é apenas um nascimento, é um primeiro sinal e para Bachelard é onde a micropsicologia deveria retraçar as suas novas e árduas etapas sobre a tarefa do conhecer. 

O abstrato elementar por força de assimilação funcional deve depurar-se. Sendo que esta assimilação nem sempre é rigorosa e neste sentido mais amplo seria necessário ser feita uma retificação para poder receber as impressões do real como vigor.“A retificação rejeita o totalmente diferente e toma o semelhante para dele fazer o idêntico”. (Ibid, p,22). A assimilação funcional tem aqui o seu principio como conhecimento utilitário. E na raiz profunda do conceito a uma conservação sendo que ela está apta a sua conquista: “O conhecimento considerado em sua dinâmica inferior já implica uma aproximação em via de aperfeiçoamento”. (Ibid, p,23). 

Ligando-se a esta organização implica aqui uma nova ligação que é a intencional. Aqui à vontade esta em total dinâmica porque ela apresenta a ideia total de despojamento onde a mesma substitui traços múltiplos associações mal reflexa: “Ao estudar as condições de aplicação dos conceitos, veremos que eles entram de novo em movimento quando se quer combiná-los ou simplesmente analisá-los, ou seja, quando se quer servir-se deles”. (Ibid, p,23). 

O conceito só fará sentido pleno na elaboração de sua própria construção que deve ser explicitado numa proposição. Sua analise deve distinguir predicado e atos. Sendo que este ato não é uma posição simplesmente metafísica, mas ela implica em um arcabouço psicológico que envolve circunstâncias, finalidades e valores que estão de acordo com o espírito que investiga: “O juízo sintético que define um conceito deve evitar a tautologia, senão haverá realmente síntese”. (Ibid, p,23). 

No posicionamento cientifico; a mecânica define a “força” como produto da massa pela aceleração. Nisto postula-se uma linguagem metafísica: “Querer tratar a força como uma entidade que ultrapassa essa definição é ser tachado de metafísico”. (Ibid, p,24). Nesta observação a quantificação não dar conta da dinâmica entre o sujeito e o predicado; nesta lógica só seria possível dissecar um pensamento já inventariado: “A própria banalidade social é muitas vezes sustentada por um jogo verbal que chama a atenção pela novidade”. (Ibid, p,24).

O ponto de partida para um conceito se da por uma intuitiva ou conceptualização conceitual de ideias. A psicologia moderna já estabeleceu de forma intensa a relação que se passa entre a anterioridade do juízo que está estritamente relacionada ao conceito. Sendo esta conceptualização de forma passiva não comporta nenhum juízo nem antes e nem depois e em relação à conceptualização de forma ativa pede uma intenção, ela parte de hábitos, ou seja, ela é o ponto de partida para o juízo; é um raciocínio heterogêneo. “De todo modo, se o conhecimento for considerado em seu esforço pleno, o conceito sempre deverá ser visto como desdobrado a partir de um juízo sintético em ação. (Ibid, p,25). “O tipo de proposição que não demonstra nada é a definição. É evidente que ela expressa uma convenção. Ela só explica uma palavra, só fixa uma linguagem”. (Ibid, p,26). 

Para Bachelard a definição deveria levar um status de símbolo porque se o mesmo fosse suficiente para os desenvolvimentos de formas e categorias a ciência deveria impor-se em todas as formas do espírito. Então o conceito quando é representativo, ou seja, quando é envolvido em um esquema impreciso logo ao mudar o ambiente conceitual ele muda o seu aspecto próprio em sua tradução intuitiva.

O espírito geométrico (imagens), metafísico (abstrato de perfeição), psicológico (aperfeiçoamento) todos esses espíritos no interior dos seus conceitos vão reviver uma conceptualização inacabada e totalmente subjetiva. “Nunca o esforço psicológico pode levar-nos até a lógica pura”. (...) “O tipo de proposição que não demonstra nada é a definição. É evidente que ela expressa uma convenção. Ela só explica uma palavra, só fixa uma linguagem”. (Ibid, p,27). Mesmo colocando enfaticamente o conceito na lógica é passível de verificação na limitação de uma possível compreensão. “O conceito é, de fato, uma suspensão da análise, um verdadeiro decreto pelo qual se enumeram as características que são dadas como suficientes para reconhecer um objeto”. (Ibid, p,27).

Em Bachelard verifica-se a inexatidão do critério conceitual para reconhecer um objeto; este reconhecimento seria a pedra de toque para a valoração conceitual para centralizar a acuidade de percepção: as coisas com seu poder mais ou menos visíveis e em outro poder que seria a de discriminação sobre. Aqui se vê que a similitude dos objetos não dependerá dela, mas sim de como o sujeito reage quando a mesma se apresenta: “Nosso acordo não dependerá tanto da similitude dos objetos, e sim da maneira uniforme como lhes reagiremos quando se apresentarem”. (Ibid, p,27).

O grande problema da conceptualização que seria a ação de organizar e/ou formar conceitos será a sua objetivação, pois decifrar este enigma que é o objeto as exigências para o mesmo seria mínima, então nesta perspectiva seria o espírito que projetaria esquemas, um método de construção e retificação; que trazia na ordem de criação pelo viés da assimilação, ou seja, seria a busca de um fim, ou seja, teleológico. Com isso: “O pensamento especulativo tende a tornar-se normativo”. (Ibid, p,28). 

O conceito em si ou o conceito sem uma categorização do sentido é inútil em sentido lato, é preciso trabalhá-lo ininterruptamente em sua construção linguística e contextual: “Apresentar um conceito isolado não é pensar”. (Ibid, p,28). Se for especulado sobre o que é o homem, ou seja, o conceito de homem? O que poderia ser pensado a não ser uma abertura de uma grande expectativa sobre tal: “O pensamento só começa com a linguagem, é contemporâneo da junção dos conceitos” (Ibid, p,28).

Abre-se aqui precedentes como: um conceito que traz em seu arcabouço empírico, nem sempre mantém-se sem deformações em abertura para o novo conhecimento: “O juízo sintético é necessariamente criador; mas tem de sê-lo progressivamente, por assimilação lenta. É preciso dissolver pouco a pouco os predicados no sujeito”. (Ibid, p,28). Tanto faz se o pensamento procurar o diverso ou a unidade que nada implicam em sua ação: “O ato de conhecer deve ser percebido em estado nascente, pois só aí tem sentido real. Confirmado, torna-se um mecanismo como qualquer outro”. (Ibid, p,28).

Costuma-se reter o conhecimento não como um juízo isolado e com isso acaba sendo proibido a sua fragmentação. “A enumeração cartesiana – que é a triangulação da generalidade – só pode comparar pontos de referência: não consegue suprir o conhecimento inventivo e ousado que deve conservar um elemento de liberdade (ação nascente) e que não pode ser obrigado a sistematizar todos os seus procedimentos” (Ibid, p,29).

Parece que o propósito tanto de Descartes como de Maxwell era a unificação e sem relação nenhuma com a ciência de sua época. Colocando desta forma o mundo como algo possível ao sujeito do conhecimento. Nesta ordem apresentá-se mais uma forma de unificação que de unidade. O penso descartiano é uma espécie de subjetivação gramatical. A experiência esta ligado com atributos e o sujeito a um conjunto: ”Pode permitir um juízo de verificação que retorna do sujeito assim constituído para os predicados e, por conseguinte, para a experiência”. (Ibid, p,29). Então seria possível dizer que a uma reação continua dos predicados sobre os sujeitos e do sujeito sobre os predicados, sendo que esta reação amortece; aí entraria a tese da descontinuidade conceptual: “A compreensão é uma função muito mal determinada da extensão”. ( ) “A relação reage sobre a essência”. (Ibid, p,30). 

Quanto à lógica ela não pode servir de comprovação sobre a realidade psicológica. W. James adverte que em todo estado de consciência que se conhece um objeto não há repetição deste mesmo estado, pois, este estado agora é uma novidade. “O estado de consciência em que reconheço um objeto não é a repetição do estado de consciência em que o conheci; é um estado de consciência novo”. (Ibid, p,31). Emprega-se o conceito para uma nova experiência. Então a conceptualização será possível por uma composição, pois ela sempre aparece inacabada. A análise é elencada por conceitos. 

Foi considerado até aqui a continuidade funcional do conceito considerando apenas os predicados. Sendo que é raro um estudo prolongado somente por conceitos, logo é apresentando uma intensidade ou grandeza. Os predicados são enriquecidos e tornam-se maleáveis. Se for possível captar a qualidade pode-se até chegar a um conhecimento aproximado em uma: “(...) superfície das coisas a fraca mobilidade qualitativa”. (Ibid, p,31).

O conhecimento pode ser pensado a partir de uma não intuição dos filósofos, mas de uma intuição progressiva e organizada. A base para isso seria um conhecimento com a ordenança de métodos e movimentos: “A repetição monótona de procedimentos simples é, no mínimo, uma repetição – isto é, um movimento. (...) um método que, em sua aparente modéstia, pode substituir a ambiciosa intuição imediata dos grandes filósofos por uma intuição progressiva organizada, apta a alargar os conceitos”. (Ibid, p,32). 


III – Ordem e Qualidade:


Dentro das qualidades separadas existe um gênero que possa falar sobre o conhecimento aproximado da qualidade: “A intensidade das sensações, como a dos estados psicológicos, é metafórica”. (Ibid, p,33). Mas, a metáfora traduz uma realidade no que diz respeito na espontaneidade da intuição. 


O caráter da ordem no quesito da matemática ela pré-figura o numero ordinal sobre o numero cardinal e utilizando o conceito de medida é definida como a ciência da quantidade. Bergson fala da desordem como ainda uma ordem, ou seja, mesmo quando o sujeito julga os erros em cálculo: “O conceito de ordem teria então o estranho privilégio de não ter o seu contrário”. (Ibid, p,34). 


“Se, em alguma parte, a ordem aparece na qualidade, por que tentar interpor o número? (...) O que introduz a noção de ordem – considerada em sua acepção mais vaga – na qualidade é que as nuanças de uma qualidade constituem uma multiplicidade, e o caráter primordial de uma multiplicidade é ser suscetível de ordenação”. (Ibid, p,34). 


Bergson fala da desordem como ainda uma ordem, ou seja, mesmo quando o sujeito julga os erros em cálculo: “O conceito de ordem teria então o estranho privilégio de não ter o seu contrário”. (Ibid, p,34). 


Esta ordem seria então a priori da percepção, porém sem negar a objetividade das classificações qualitativas. Neste esforço da objetividade a qualidade deve dispor-se a percepção mesmo que ocorra suspensão de juízo. As percepções não tem acuidade para classificar as percepções. 


As percepções confundem o “observador” no espaço-tempo, mas esse limite não é fixo, pois, os instrumentos o fazem regredir e a adaptação das percepções a esses instrumentos o faz regredir ainda mais. Lembrando que esse trabalho “contínuo” da percepção é fecundo e capta resultados experimentais.

Há concepção conceitual de “conceito de ordem e entre” decorrem um do outro: “O conceito de ordem surge, portanto, desde que seja possível aplicar o conceito de intercalação. A recíproca é evidente”. (Ibid, p,36). (Intercalado. Adj. Que se conseguiu intercalar “colocar no meio”; interposto). 
A ordem está no meio da qualidade e não depende de nenhuma metáfora quantitativa: “Só se consegue provar o papel parasita da grandeza ao se supor uma nítida heterogeneidade entre os casos comparados”. (Ibid, p,36). A consideração da força e do número como concomitantes separa-se o gênero estudado e acabado cometendo equívocos passando do visível para o invisível, do grande para o pequeno... Nenhuma intercalação permite passar progressivamente de uma para outra.

Bergson não explica a diferença de ordem. Sem a diferença como poderia haver a comparação?: “De fato, as sensações de mesma categoria se apresentam a nós no seu todo como uma multiplicidade. Essa multiplicidade não pode ser informe. Ela tem como característica mínima uma ordem, pois a ordem não tem contrario”. (Ibid, p,37).

O dado não está pronto e ordenado, é na multiplicidade que existe o dado. Se há um meio de identidade podem surgir o segundo, quando o dado se renova e há possibilidades de introduzir um terceiro, porque onde existe a diferença há a multiplicidade. A multiplicidade qualitativa: “(...) a percepção é facilmente analisada para isolar sob o complexo que a caracteriza elementos que, ao desenvolver-se, revelam-se como uma multiplicidade linear” (Ibid, p,38); em sua dimensão não encontra momentos para escolher suas direções, pois não há como sustentar que dois pontos distintos encontrem um terceiro ponto idêntico em sua direção, isto também ocorre com a visão, ou seja, a tonalidade das cores, a saturação e a clareza parecem aqui um problema em sua unidade substancial de impressão; é possível o encontro através de análise, independências múltiplas em sua linearidade, delimitar no interior do outro em sua multiplicidade existencial. “Uma análise imediata destacará multiplicidades lineares independentes. A lineação será característica da existência do mesmo no interior do outro”. (Ibid, p,38).

A base primordial do ponto de vista psicológico relatados por Bergson na ordem linear está acontecendo ao mesmo tempo em que uma outra coisa. A qualidade parece como uma dificuldade através da ideia de grandeza quando se pretende provocar um juízo de aproximação; aí se tenta explicar até que ponto o conhecimento qualitativo poderá apresentar-se como uma aproximação. Adentra-se nas questões de comparação, onde duas qualidades considera uma diferença e no caso da ideia quantitativa duas quantidades da mesma espécie sustenta a mesma relação: “Dois estados da qualidade implicam uma diferença, três estados uma intercalação. E nada mais”. (Ibid, p,39).

Entre estudos sobre geometria projetiva, apontada por Bertrand Russel e estudos das qualidades traduz em ambas doutrinas de qualificação. Nestes estudos qualitativos falta clareza por que tenta-se fugir dos hábitos da linguagem e modelos métricos. “Mas, por que abriríamos mão de utilizar uma imagem cômoda para traduzir uma realidade oculta? Cremos, portanto ter o direito de denominar juízo de aproximação o juízo dedutivo provocado pela quarta experiência qualitativa. Não passa ainda de imagem, de esquema. Mas veremos que esse esquema dá coerência e clareza à nossa ciência qualitativa e que ele indica bem, em sua ordem progressiva, os diferentes graus de nosso conhecimento”. (Ibid, p,40).

Nesta ora a ciência da extensão que seria uma qualificação mais que um objeto de quantificação estaria na ordem de benefícios de clareza e precisão suplementar. Se todas as geometrias a definição de distância e a geometria projetiva se caracteriza pela experiência e que é realizada com os sólidos. “A nova física faz até objeções mais fundamentais: ela não aceita de imediato que se verifique o comprimento de um sólido com a ajuda de um régua dividida em graus. É claro que se pode propor como postulado que essa verificação é legitima, já que não se pode provar que ela não o é. Mas isso equivale a introduzir uma arbitrariedade. A congruência é um verdadeiro postulado”. (Ibid, p,41).

Aqui se identifica o sistema de medidas e o sistema de coordenadas que serve para demarcá-los, na geometria do espaço-tempo. A igualdade ou exatidão ao propósito que se destina a ordem a qual se destina não fica aqui obrigado a aceitar um postulado qualitativo que sobreponha um intervalo sobre o outro. “Devemos, é evidente, permanecer senhores de nossos postulados, seja no estudo da qualidade, seja no estudo da geometria. Em particular, uma ciência qualitativa não está obrigada a aceitar um postulado de congruência por transporte de um intervalo qualitativo sobre outro. Esse conhecimento não é atingido pela crítica que mostra a impossibilidade de justapor dois intervalos qualitativos de origem diferente”. (Ibid, p,41). 

Na qualidade a um elemento esquemático pela distância. O contraste seria este elemento determinante. Elemento esse metafísico de difícil definição assim como o seu intervalo. Pois a dualidade só haverá se houver dois pontos no espaço: “O contraste seria um dado que difere do dado que encontramos até agora, pois o espírito não pode reconstruí-lo; o contraste escapa do pensamento formador que se afirma ao reorganizar seus elementos”. (Ibid, p,42). Aqui é a ordem de relação especificada. O descontinuo para não cair em erro deve distribuir-se num continuo entre o intervalo e o contraste. “Mas esse descontinuo, se não quiser cair na confusão e se afastar das condições do conhecimento discursivo, deve distribuir-se num continuo (esquema da possibilidade indefinida dos atos); esse continuo é que se manifesta em geometria pelo intervalos e na qualidade, pelo contraste”. (Ibid, p,42). 

O conhecimento é uma ação, ou seja, é um ato; o contraste é possível ser entendido apenas por atos que pela sua divisão pode torná-lo algo que semelhante. Aqui encontra-se um problema de linguagem na geometria clássica entre intervalo, igualdade e postulado de congruência quando são transportados a primeira sobre a segunda. Pela expressividade por imagens em uma comparação de dois cinzas a aquarela resolveria o problema das cores ao conhecimento do senso comum. Agora entre o transporte de um comprimento sobre outro comprimento: “O elemento distinguido é muitas vezes fixado de modo pouco preciso, mas a flutuação nas respostas pode ser tratada pelo calculo de probabilidades. Esse cálculo faz aparecer uma convergência certa dos resultados. É o final suficiente de sua objetividade”. (Ibid, p,43). O problema até pode ser considerado generalista, mas a tese dos intervalos musicais e toda a aritmética de sua escala fornecem confirmações. 

Todo empirismo não leva a prova ao estudo analítico. A qualidade no que tange a aritmética torna-se mais complexa. Porém a intuição precisa acaba em dicotomia. Essa operação repetida a aqui leva há uma operação binária adequada ao estudo das qualidades: “A dicotomia leva a um método fecundo de aproximação qualitativa”. (Ibid, p,44).

A noção de medida não deve seduzir ao conhecimento. Se medir é conhecer e se conhecer é descrever a dicotomia é o melhor método a ser utilizado: “Mas o método dicotômico logo se torna inaplicável; logo o semelhante se aglomera numa espécie de átomo qualitativo que nenhum esforço de atenção consegue cindir. Percebe-se que ele ainda é complexo, mas a análise torna-se tão incerta que já não é tentada”. (Ibid, p,44). 

O conhecimento na abordagem que se refere à quantidade, será que tem-se o mesmo objeto com precisão segura e exata ou a inexatidão permeia toda está abordagem complexa do conhecimento?: “No reino da quantidade, os procedimentos de medida são passiveis da mesma critica. Parece que, com a medida, se obtém maior exatidão, e os resultados também parecem menos afetados pela equação pessoal. Mas, em ambos os casos, o obstáculo é de igual natureza”. (Ibid, p,44-45).

Será difícil provar que o átomo esta em correspondência psicológica, mas na experiência verifica-se esta possibilidade ligada aos sentidos, habilidades e conhecimentos. Se por exemplo, o diapasão e a corda vibratória duas notas musicais que familiar aos ouvidos. Em suas notas altas e baixas encontram-se ambas no intervalo de indeterminação sendo que o aparelho de detecção é ouvido humano com suas extensões: “(...) Esse procedimento oscilante procura um termo” (Ibid, p,45). Aqui pela possibilidade do termo aberrante restabelece-se a dicotomia: “O átomo qualitativo é dilatado para possibilitar que se lhe vise melhor o centro”. (Ibid, p,45). 

Parece um estranho artifício para compreender a realidade dos sons em busca de uma segurança de um conhecimento aproximado. E cair em busca de um conhecimento exato para apreender a realidade é quase impossível: “(...) já que a coincidência entre pensamento e realidade é um verdadeiro monstro epistemológico, é indispensável que o espírito se mobilize para refletir as diversas multiplicidades que qualificam o fenômeno estudado sem deixar de lado o que o circunda”. (Ibid, p,46).

A saber, é necessário o reconhecimento do espírito sobre a possibilidade do conhecimento, da apreensão do objeto tanto na ocasião do quantitativo como do qualitativo, pois, não é seguro somente uma forma de abstração do conhecimento sobre o real; este tipo de juízo é coerente como a proposta de uma filosofia da aproximação. Compreender os conceitos no grupo intuitivo, perceptivo é tarefa de buscar o heterogêneo no homogêneo, um está ligando e entrelaçado ao outro:”(...) por mais que esse elemento isolado esteja marcado por uma oportunidade excepcional. Esse elemento privilegiado não pode esposar a complexidade do real ou do irracional. No máximo, anula a lei fundamental do pensamento em movimento que nos obriga incessantemente a buscar o heterogêneo no interior do homogêneo para tentar em seguida, num movimento contrario, uma assimilação do semelhante e do idêntico”. (Ibid, p,46). 

A partir da descontinuidade ou de experiências separadas, o pensamento ordenado toma um sentido de valor diante do conjunto de suas partes: “A ordem que se introduziu nos sucessivos graus de um conhecimento é um elemento positivo que merece um exame particular. Logo, é possível estudar a aproximação em si e para si mesma”. (Ibid, p,47). Esse estudo da filosofia da aproximação ela vai agir principalmente nas áreas na qual ela é mestra: na física e na matemática. 

“É no estudo dos fenômenos físicos que esses métodos serão apurados, aperfeiçoados. (...) Essa multiplicidade inesgotável talvez justifique nosso plano que, no fundo, vai do simples para o complexo, de um conceito fundamental, a ordem, para conceitos derivados, numero e grandeza, do finito para o infinito”. (Ibid, p,47).

A aproximação do conhecimento vai realizar inúmeros termos racionais para tentar ter alcance sobre o irracional que a matemática, por outro viés, constituiu como seres.


Referência:

Bachelard. G. Ensaio sobre o conhecimento aproximado, Rio de Janeiro Ed. Contraponto, 2014.