sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Felicidade, o que é?



Descrever, ouvir ou falar sobre o que é, ou o que venha a ser felicidade, tarefa não das mais simplórias. Este conceito de felicidade passa a largos passos da sua principal implicação. Se um sujeito entrevistado sobre os seus sentimentos e afetos, se coloca a respondê-las a priori é uma percepção intrínseca a autorrealização. O conceito de sentimento de felicidade, perpassa por aquele momento único e intransferível de alegria.

O conceito de felicidade é muito amplo, e está para além das palavras; ele é puro e simplesmente subjetivo em sentido lato. O sentimento afetivo de felicidade é strictu sensu, são sensações que se dá em um instante, ela é um estado de espírito; já a percepção é subjetivo e aqui implica sinceridade do sujeito com ele mesmo.

Em uma dissolução sobre quem é ou não é feliz, implicaria uma atitude ética; porque seria uma espécie de análise perspicaz que envolveria juízos de valor. Para um sentimento, um afeto enfim, colocar o outro neste posicionamento seria uma incapacidade dialética diante do olhar e do sentimento de outrem. Esta mensuração é e pode ser possível de sentir e perceber a partir do olhar sobre o outro numa dialética de espera aonde o corpo do outro demonstra, e é nesta leitura também subjetiva com implicações entre o significante e o significado (que não passa de uma subjetividade do observador).

Enfim, felicidade ou infelicidade é algo muito caro a humanidade, porque a felicidade é como uma espécie de termômetro para verificação das temperaturas emocionais de uma sociedade que tem sua cultura, seus costumes, suas histórias e suas transgressões; não seria possível colocar tudo dentro de um caixote e delimitar o que é e o que não é “felicidade”; poderia falar-se-á em “felicidades”? Então, felicidade seria uma sensação e uma percepção que é intransferível, é tão subjetivo que para uns pode ser o reconhecimento pessoal, já para outros um momento de alegria, etc...






terça-feira, 23 de agosto de 2016

Filosofia? Para que serve?




A filosofia trata dos “por quê”, enquanto a ciência dos “como”. O filosofo britânico Bertrand Russell, diz: “a Filosofia é a ciência dos resíduos”. Ele quer dizer que: quando um conhecimento obtém alguma precisão no campo filosófico, este perde o nome de Filosofia e ganha um nome específico: Física, Química, Psicologia, etc. Ela faz perguntas incessantes até obter respostas, ao longo do encontro de seu objetivo que é perguntar (colocar em interrogação tudo que lhe for duvidoso), as respostas vão surgindo e o que se torna cientifico sai do campo filosófico, e o que resta, são os resíduos para questionamentos filosóficos que implicam em novos conhecimentos. O valor da filosofia, na realidade, deve ser buscado, em grande medida, na sua própria incerteza. A filosofia, apesar de incapaz de nos dizer com certeza qual é a verdadeira resposta para as dúvidas que ela própria levanta, é capaz de sugerir numerosas possibilidades que ampliam os nossos pensamentos, livrando-os da tirania do hábito. Desta maneira, embora diminua o nosso sentimento de certeza com relação ao que as coisas são, aumenta em muito o nosso conhecimento a respeito do que as coisas podem ser; ela remove o dogmatismo um tanto arrogante daqueles que nunca chegaram a empreender viagens nas regiões da dúvida libertadora; e vivifica o nosso sentimento de admiração, ao mostrar as coisas familiares num determinado aspecto não familiar.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Reseha - A História da Loucura - Michel Foucault



          Toda a história dos inícios da psiquiatria moderna se revela falseada por uma ilusão retroativa segundo a qual a loucura já estava dada – ainda que de maneira imperceptível – na natureza. Loucura não é algo da “natureza” ou uma “doença”, mas um “fato de cultura”. A história da loucura, em suma, é a história da progressiva medicalização ocidental.

Na Idade Média o Louco era um “Visionário”. Na Renascimento, o Louco era “Outra Razão”; É louco porque a sociedade o é. Saber fechado, esotérico, que produz e manifesta a realidade de outro mundo, e nos entrega o homem essencial, que em sua natureza íntima é furor e paixão. Ex: as obras; Dom Quixote e O Elogio da Loucura. Na Idade Clássica, inicia com Descartes, fundador da filosofia moderna; identificou a loucura como algo que nos leva ao erro. No século XIX, o Louco passa a ser visto como “doente mental”. A partir desse momento, os loucos foram liberados do encarceramento e colocados sob cuidados médicos. Ao invés de correntes de ferro, passaram a ser medicados. Com a psicanálise, os loucos poderiam falar para os psiquiatras. O “louco” torna-se, ainda, um objeto de estudo, ou seja, distancia-se o “normal”, do “doente mental”, e torna-se o último objeto de um saber; aqui começa o mito do pseudo homem normal e do patológico. A loucura continua a ser vigiada e confinada pela razão; o médico, onipotente e onipresente é a autoridade que atua sobre o dito louco, representam o poder da razão de confinar a loucura.

No final da Idade Média, inicia-se a praga da lepra; o leprosário é logo povoado por incuráveis e loucos. As doenças venéreas começam a se multiplicar e os mesmo são internados com os leprosários, os desempregados, os criminosos e os desatinados. A loucura em uma relação entre consciência e experiência mística, era adquirida eles poderiam até ter acesso a verdades divinas.  Porém, o medievo interliga-se com outras épocas ao excluir os loucos da sociedade, o que difere é o motivo, que desta vez é para separar o sagrado das experiências terrenas.

“Este saber, tão inacessível e temível, o Louco o detém em sua parvoíce inocente. Enquanto o homem racional e sábio só percebe desse saber algumas figuras fragmentárias – e por isso mesmo mais inquietantes -, o Louco o carrega inteiro em uma esfera intacta: essa bola de cristal, que para todos está vazia, a seus olhos está cheia de um saber invisível”. (FOUCAULT, 2014, p. 21).

Foucault se lembra da antiga alegoria “A Nau dos loucos” usada na cultura ocidental em suas literaturas e pinturas. O âmago desta autocrítica, esta em que, ela vem descrevendo o mundo e a sociedade como uma espécie de “Nau” onde os passageiros ditos perturbados não sabem nem se preocupam para onde estão sendo levados. Em composições literárias e artísticas dos séculos XV e XVI, o motivo cultural da “Nau dos loucos” era uma analogia à arca de salvação “Cristianismo”. A “Nau dos loucos” era uma espécie de símbolo da consciência viva do pecado e do mal na mentalidade medieval e nas paisagens imaginativas da Renascença.

“A Nau dos Loucos atravessa uma paisagem de delícias onde tudo se oferece ao desejo, uma espécie de Paraíso renovado, uma vez que nela o homem não mais conhece nem o sofrimento nem a necessidade”. (FOUCAULT, 2014, p. 21).

Na Idade Média, não havia separação entre o sofrimento mental e o físico, mas o principal foco era a lepra. E como a Igreja Católica possuía uma suma importância em relação à sociedade, a lepra era repugnada por todos, pois ela era considerada um castigo divino. Tendo métodos radicais em busca da “salvação”, praticando o exorcismo ou tendo seus corpos queimados. Havia nas cidades medievais uma delimitação nítida dos espaços em que eram excluídos aqueles que não se adaptaram às normas da sociedade. Fora dos seus muros, os loucos, os leprosos. Dentro, os razoáveis, os civilizados.

“O abandono é, para ele, a salvação; sua exclusão oferece-lhe uma outra forma de comunhão”. (FOUCAULT, 2014, p. 6).

Na Modernidade, a loucura teve um novo tratamento, a terapia, que era chamada de “tratamento moral da insanidade”. Um dos métodos consista no afastamento do sujeito perante o meio em que ele obtém sua loucura. Um dos pontos importantes desta época são as crises econômicas europeias em que os hospitais psiquiátricos oferecem mão de obra barata, porém, existia um sentido duplo em que visava não apenas a produção, mas principalmente repressão. A loucura não era algo mental, mas também consistia na imoralidade. Sendo a concepção moderna de loucos: são animais de uma ferocidade natural, que precisa ser fisicamente revertida, não tendo mais relação com a humanidade, mas sim com a animalidade, logo mais esse lado animal passa a ser a felicidade natural que era reprimida pela sociedade. As casas de internação viram asilos, mas ainda eram trabalhos alguns métodos de internação e a loucura recebe sinônimo de doença. Representando a realização de um projeto que já existia há muito tempo: a dominação e intimidação social e política.

“A internação é uma criação institucional própria ao século XVII. (...) o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo; o momento em que começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade. As novas significações atribuídas a pobreza, a importância dada à obrigação do trabalho e todos os valores éticos a eles ligados determinam a experiência que se faz da loucura e modificam-lhe o sentido”. (FOUCAULT, 2014, p. 78).

Para Descartes o principio da loucura envereda no status de uma Desrazão; longínqua esta qualquer juízo falso ou verdadeiro, momento em que a loucura adentra em uma experiência crítica ela esta se coloca fora do lugar da razão, ela é o outro da razão, ou seja, a desrazão. Se a loucura tem o mesmo estatuto da razão, ela passa a ser o grande medo da desordem, e a solução é a grande internação na França do século XVII. A loucura a partir de Descartes passa a ter um estatuto moral, passa a ser patológico, entra no viés do desatino, ou seja, fora da razão. A desrazão da loucura está entre o significado ético e moral, o estatuto indeterminado do louco era tudo o que extrapolasse a ordem da razão, o que fugisse dos padrões, e o internamento dos alienados é a estrutura mais visível na experiência clássica da loucura. Na Idade Média o louco era a causa de uma vontade divina; a loucura na modernidade adentra não mais por esta mesma vontade divina, ela ganha o perfil de razão, passando a ter um significado moral.

“No caminho da duvida, Descartes encontra a loucura ao lado do sonho e de todas as formas de erro”. (FOUCAULT, 2014, p. 45). “A duvida de Descartes desfaz os encantos dos sentidos, atravessa as paisagens do sonho, sempre guiada pela luz das coisas verdadeiras; mas ele bane a loucura em nome daquele que duvida, e que não pode desatinar mais do que não pode pensar ou ser”. (FOUCAULT, 2014, p. 47).

Na Idade Média a loucura ainda tinha um sentido de lugar, um significado cosmológico ligado ao sagrado, na Renascença com a Nau dos Loucos, já não existe mais o lugar da loucura, o não-lugar físico que a loucura adquire como significado é o caráter de exclusão, propriedade e significação dessa propriedade, privação de lugar e espaço para o indivíduo, o não-lugar do louco cria-se o lugar do internamento. As práticas de intervenção sofrem alguns deslocamentos de significados; no século XVII a loucura passa a ter um sentido moral, a loucura como transbordamento do não dito, já no século XVIII deixa de ter um aspecto moral e passa a ser de cunho médico. O hospício moderno surge com o advento da internação do Marquês de Sade, onde o diagnóstico não é de loucura.  O problema de Sade não é insanidade, mas sodomia, em detrimento disto, ele vai à prisão e não para o manicômio, este paradigma resignifica o próprio conceito de loucura na modernidade. 

“O século XVII descobriu-a na perda da vontade:  possibilidade inteiramente negativa na qual a única coisa em questão era essa faculdade de desertar e de atenção no homem, que não é da natureza, mas da liberdade. O fim do século XVIII põe-se a identificar a possibilidade da loucura com a constituição de um meio: a loucura é a natureza perdida, é o sensível desnorteado, o extravio do desejo, o tempo despojado de suas medidas; é a imediatez perdida do infinito das mediações”. (FOUCAULT, 2014, p. 370).

A partir dos séculos XVII ao XIX, há uma mudança conceitual tendo-se o significado médico; inicia-se aqui a percepção que alguns loucos podiam ser tratados e acompanhados através de tratamentos médicos e o controle era manter o louco distante de locais insalubres. A significação médica e moral começa no mesmo período e neste mesmo período práticas de internação institucionais; aqui nasce o hospital geral na França. Foucault esta preocupado em desvelar o porquê do louco passa a ser um objeto olvidado no manicômio.  Do século XIX a contemporaneidade, a loucura é objeto de análise, inicia-se o positivismo da medicina e de toda a ciência como objeto de estudo e pesquisa. Os significados e as representações mudam, mas as práticas continuam as mesmas, internamento e exclusão. Essas práticas já estão presentes na origem da história da loucura, desde o século XIII, seja nos mosteiros, nas Naus, nos leprosários, etc. A psiquiatria só surge a partir do inicio do século XIX com Pinel até Charcot, antes, os médicos que visitavam os hospitais tinham o objetivo de controlar as pestes e doenças que aconteciam dentro das casas de internação, mas, não há ainda a questão da loucura como objeto de estudo da medicina. No século XVIII a medicina está em pleno desenvolvimento, Foucault desdobra uma relação entre significado moral e sentido terapêutico, mas o sentido terapêutico só se instaura do século XVIII para o século XIX. O médico diagnostica a capacidade do paciente determinando assim se o mesmo deve ou não viver em sociedade, o médico esta munido do estatuto jurídico; a análise feita do indivíduo pelo caráter moral torna-se mais relevante que a questão da saúde. Para Foucault o comportamento humano é construído, e não uma questão divina e imutável, tudo é uma construção histórica e cultural.

“A loucura, para o século XIX, terá um sentido inteiramente diferente: estará, por sua natureza e em tudo o que a opõe à natureza, bem perto da história”. (FOUCAULT, 2014, p. 374). “(...) primeiro: porque a loucura em sua aceleração constante forma como que uma derivada da história; e, a seguir, porque suas formas são determinadas pelas próprias formas do devir. Relativa ao tempo e essencial à temporalidade do homem”. (FOUCAULT, 2014, p. 375).

A loucura apresenta-se em ordem de norma social, a existência de uma loucura pré-existente é nula, o que existe são comportamentos desviados da normatividade burguesa, neste arcabouço a loucura é uma construção social, Foucault desmistifica a psiquiatria como a ciência da loucura, ele mostra como a loucura passou a ser objeto de análise e pesquisa só a partir do século XIX. Foucault relata que a psicanálise fala de uma estrutura psíquica pré-social; Foucault discursa que o social é anterior a estrutura psíquica, ele vai de encontro a Freud. Loucura é desatino da razão, Foucault sustenta que a sociedade precede a essa estruturação psíquica, é a cultura que forma e modela o sujeito. Essas práticas de domínio ético da insanidade vão produzir normas e descrever o domínio ético do internamento. A institucionalização do domínio ético cria o domínio da insanidade.

Os três elementos básicos da experiência Clássica da loucura são: Alienação da razão; distanciamento da loucura e do louco pelo internamento; e sujeição como forma de controle. A experiência moral do desatino na Idade Clássica é o solo, a base para entendimento da ciência, e só a partir do distanciamento e do encarceramento da loucura nos muros da razão, para permitir começar a entender e estudá-la como objeto de pesquisa científica. Para Foucault só existe o louco, a figura da loucura é criada no século XVII pela norma social. "Na verdade esse homem normal é uma criação". (FOUCAULT, 2014, p. 132). A insanidade no século XVII acaba ocupando o domínio moral, a partir desse domínio vai abrir as portas para os futuros estudos da psicologia, o que se passa na psique, na alma humana; da psiquiatria, do corpo doente, a loucura como patologia; e pela psicanálise, uma arqueologia do inconsciente (que iniciam a partir do século XIX). "Quando o século XIX decidir fazer com que o homem desatinado passe para o hospital, e quando ao mesmo tempo fizer do internamentonum ato terapêutico que visa a curar um doente, fa-lo-á através de um golpe de força que reduz a uma unidade confusa, mas para nós difícil de deslindar, esses temas diversos da alienação e esses múltiplos rostos da loucura, aos quais o racionalismo clássico sempre havia permitido a possibilidade de aparecer". (FOUCAULT, 2014, p. 134).

Dessa forma, para Pinel e Bichat, o internamento era o melhor meio de garantir a segurança pessoal dos loucos e sua família, ao libertá-los de influências externas. Lugar de vigilância e de trabalho como principal meio de cura. É o trabalho que dignifica o homem e transforma o alienado em um ser útil e dócil. Pinel sustentado suas ideias no tripé isolar/conhecer/tratar, onde o hospital representa o principal espaço do saber-poder médico. 


Referência
FOUCAULT. M. História da Loucura na Idade Clássica, Perspectiva, 10ª edição, 2014.


sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Resenha - Ensaio sobre o conhecimento aproximado - Gaston Bachelard


 Livro Primeiro - p. 13 -47

Bachelard antes de tentar alcançar ao conhecimento científico, ele vai examinando como as minúcias vão acumulando-se, reiterando que esses conhecimentos quando conservam as típicas grandes linhas descritivas, onde os predicados enaltecem o progresso temático, as qualidades ordenam-se para uma futura e possivelmente, promissora objetividade. 

I – Conhecimento e descrição:

   Como entender ou delimitar um conhecimento e sua descrição? “Conhecer é descrever para re-conhecer”. (BACHELARD, 2004, p.13). O conhecimento é sempre anterior a uma descrição; este deve ser minucioso e clarividente em sua construção essencial, como cita Bachelard: “(...) é preciso ser exaustivo, mas é preciso manter a clareza”. (Ibid, p,13). 

Em condições de possibilitar um conhecimento cientifico, é danoso e perigoso atribuir há uma espécie “monoteísta” de grau superlativo em categorizar um parâmetro e/ou um paradigma de conhecimento daquilo que é atribuído como real em stricto senso.“É um erro conferir ao conhecimento real um único sentido. (...) Priorizar a generalização em relação à verificação é desconsiderar o caráter hipotético de uma generalidade que só se justifica por sua comodidade ou clareza”. (Ibid, p,14). 

A filosofia tende para a sistematização enquanto a ciência para a descrição. A problematização que é encontrada nesta abordagem é que: “o conhecimento transmitido não é a mesma coisa que conhecimento como ato de criação” (Ibid, p,14). Neste arcabouço o signo tem atribuição significativa em detrimento do significado mesmo. “A tarefa de descrever mostra-se, portanto sempre imperfeita, e mais cedo ou mais tarde será preciso voltar ao concreto, já que a primeira abstração se afastou do fenômeno”. (Ibid, p,14).

A eminência descritiva dos dados de uma ciência será percebida no limiar central de uma teoria especifica para tal; e, no entanto, as condições de generalidade serão em sentido clarividentes em contextos reais e lógicos. “Logo, ao confiar no simples impulso da descrição, estamos fazendo com que o espírito humano aceite o sistema”. (Ibid, p,15).

Aqui há uma auto-síntese da descrição, que pode ter relevância por uma intuição, tendência, uma impressão porque todas estas possibilidades de conhecer perpassa por experiências e contatos entre o eu e o não-eu que em sua aparência não contanto epistemológico que neste caso especifico pode ser citado o sentimento religioso e o artístico.“Para o artista, conhecer é descrever para sentir. O lirismo aparece como um sistema coerente no qual o espírito é especialmente ágil e vivo”. (Ibid, p,16).

Bachelard relata sobre uma espécie de filosofia propulsiva, onde o pensamente do sujeito esta de acordo consigo mesmo sendo que de acorda com as categorias a priori do próprio espírito: “O método de busca transforma-se num método de construção, e o conhecimento se apresenta como necessariamente acabado. (...) Esse êxito inicial mais parece um sinal de fraqueza”. (Ibid, p,16). 

Em contraponto com o idealismo, o mesmo não consegue dar prosseguimento diante do continuo e do progressivo: “No idealismo, o conhecimento será afinal sempre inteiro, mas fechado a qualquer acréscimo. Só se moverá diante de cataclismos”. (Ibid, p,16).

Para Bachelard o problema do idealismo é a existência inegável de um erro em sua conjuntura que não pode ser eliminado em sua totalidade e deve-se contentar com simplórias aproximações. Como progresso epistemológico o idealismo mostra-se como hipótese de trabalho pouco fecundo e ilusório: “Ao contrario, como Meyerson comprova, a ciência costuma postular uma realidade”. (Ibid, p,16). 

Temos aí um problema binário entre a realidade e o conhecimento por que o conhecimento ele não pode ser nunca esgotado e demanda sempre novas e infinitas pesquisas. “A essência da realidade reside na resistência ao conhecimento. Vamos pois adotar como postulado da epistemologia o caráter sempre inacabado do conhecimento”. (Ibid, p,17). 

Com isso Bachelard não insiste em repetir as conclusões anteriores a ele em delimitar o alcance geral da ciência. Ele relata: “O ato de conhecimento não é um ato pleno. Se é realidade com facilidade é porque se desenvolve num plano irreal. Essa irrealidade é o preço de sua facilidade”. (Ibid, p,17).

A ação do espírito é definida em características pontuais provisórias e artificiais. O espírito impele gestos tão grandes que impede a complexidade e a finura da potencialidade do mundo e é neste panorama que o mundo acaba impressionando demasiadamente o espírito jovem. 

A arqueologia ingênua (Ibid, p,18), o sujeito está como um historiador, ou seja, sem fontes e como reviver os dados imediatos na consciência diante de um espírito imediato, sendo que não há lógica que extrapole este espírito. Em se tratando da introspecção é no fundo uma mera cultura; que é restaurada por uma lembrança diante de sua personalidade tentando reencontrar sua origem.

Nesta prospecção do imediato construído a partir de ordem dialética o dado é cultural, social e histórico não é possível à imediatização do mesmo, pois ele esta sempre em oposição à reflexão e pela própria reflexão quando ela se torna consciente ( Ibid, p,18); não há habito, categorias que o prenda; o dado é recíproco e provoca constantes ressonâncias e renova-se apresentando algo inédito ao espírito. “A fonte é um mero ponto geográfico e não contém a força viva do rio”. (Ibid, p,18). 

A decisão seria a consideração do fluxo do conhecimento de forma mista entre a reflexão e a distante de origens sensíveis. “(...) decidimos considerar o conhecimento em seu fluxo (...). O conhecimento em movimento é um modo de criação continua; o antigo explica o novo e o assimila; e, vice-versa, o novo reforça o antigo e o reorganiza. (Ibid, p,18-19).

Em relação às origens do conhecimento Bachelard pergunta se o epistemólogo e o físico não podem eximir-se desta carga, ele diz: “Por princípio, o espírito que conhece tem de ter um passado. (...) Essa inflexão do espírito, em direção ao passado, para responder à solicitação de um real inesgotável constitui o elemento dinâmico do conhecimento. (...) A retificação... o principio fundamental que sustenta e dirige o conhecimento e o instiga sem cessar a novas conquistas. (...) A fonte é um mero ponto geográfico e não contém a força viva do rio”. (Ibid, p,19). A retificação para Bachelard é suprassumo em sua problematização filosófica, ou seja, é retificar o pensamento diante do real. 


II – A retificação dos conceitos:


A conceptualização dos conceitos é passível de retificação porque os mesmo não conseguem dobrar-se para expressar uma experiência que já não se sustenta. Conceitos apoiados em imagens como base fundamental no seleto sensitivo.“Se levássemos a comparação ao limite metafísico, poderíamos dizer o mero fato de o espírito ser um centro já traz consigo o caráter abstrato do conhecimento. Temos um único cérebro para pensar tudo”. (Ibid, p,22).

Lembrando que esse movimento do pensamento é apenas um nascimento, é um primeiro sinal e para Bachelard é onde a micropsicologia deveria retraçar as suas novas e árduas etapas sobre a tarefa do conhecer. 

O abstrato elementar por força de assimilação funcional deve depurar-se. Sendo que esta assimilação nem sempre é rigorosa e neste sentido mais amplo seria necessário ser feita uma retificação para poder receber as impressões do real como vigor.“A retificação rejeita o totalmente diferente e toma o semelhante para dele fazer o idêntico”. (Ibid, p,22). A assimilação funcional tem aqui o seu principio como conhecimento utilitário. E na raiz profunda do conceito a uma conservação sendo que ela está apta a sua conquista: “O conhecimento considerado em sua dinâmica inferior já implica uma aproximação em via de aperfeiçoamento”. (Ibid, p,23). 

Ligando-se a esta organização implica aqui uma nova ligação que é a intencional. Aqui à vontade esta em total dinâmica porque ela apresenta a ideia total de despojamento onde a mesma substitui traços múltiplos associações mal reflexa: “Ao estudar as condições de aplicação dos conceitos, veremos que eles entram de novo em movimento quando se quer combiná-los ou simplesmente analisá-los, ou seja, quando se quer servir-se deles”. (Ibid, p,23). 

O conceito só fará sentido pleno na elaboração de sua própria construção que deve ser explicitado numa proposição. Sua analise deve distinguir predicado e atos. Sendo que este ato não é uma posição simplesmente metafísica, mas ela implica em um arcabouço psicológico que envolve circunstâncias, finalidades e valores que estão de acordo com o espírito que investiga: “O juízo sintético que define um conceito deve evitar a tautologia, senão haverá realmente síntese”. (Ibid, p,23). 

No posicionamento cientifico; a mecânica define a “força” como produto da massa pela aceleração. Nisto postula-se uma linguagem metafísica: “Querer tratar a força como uma entidade que ultrapassa essa definição é ser tachado de metafísico”. (Ibid, p,24). Nesta observação a quantificação não dar conta da dinâmica entre o sujeito e o predicado; nesta lógica só seria possível dissecar um pensamento já inventariado: “A própria banalidade social é muitas vezes sustentada por um jogo verbal que chama a atenção pela novidade”. (Ibid, p,24).

O ponto de partida para um conceito se da por uma intuitiva ou conceptualização conceitual de ideias. A psicologia moderna já estabeleceu de forma intensa a relação que se passa entre a anterioridade do juízo que está estritamente relacionada ao conceito. Sendo esta conceptualização de forma passiva não comporta nenhum juízo nem antes e nem depois e em relação à conceptualização de forma ativa pede uma intenção, ela parte de hábitos, ou seja, ela é o ponto de partida para o juízo; é um raciocínio heterogêneo. “De todo modo, se o conhecimento for considerado em seu esforço pleno, o conceito sempre deverá ser visto como desdobrado a partir de um juízo sintético em ação. (Ibid, p,25). “O tipo de proposição que não demonstra nada é a definição. É evidente que ela expressa uma convenção. Ela só explica uma palavra, só fixa uma linguagem”. (Ibid, p,26). 

Para Bachelard a definição deveria levar um status de símbolo porque se o mesmo fosse suficiente para os desenvolvimentos de formas e categorias a ciência deveria impor-se em todas as formas do espírito. Então o conceito quando é representativo, ou seja, quando é envolvido em um esquema impreciso logo ao mudar o ambiente conceitual ele muda o seu aspecto próprio em sua tradução intuitiva.

O espírito geométrico (imagens), metafísico (abstrato de perfeição), psicológico (aperfeiçoamento) todos esses espíritos no interior dos seus conceitos vão reviver uma conceptualização inacabada e totalmente subjetiva. “Nunca o esforço psicológico pode levar-nos até a lógica pura”. (...) “O tipo de proposição que não demonstra nada é a definição. É evidente que ela expressa uma convenção. Ela só explica uma palavra, só fixa uma linguagem”. (Ibid, p,27). Mesmo colocando enfaticamente o conceito na lógica é passível de verificação na limitação de uma possível compreensão. “O conceito é, de fato, uma suspensão da análise, um verdadeiro decreto pelo qual se enumeram as características que são dadas como suficientes para reconhecer um objeto”. (Ibid, p,27).

Em Bachelard verifica-se a inexatidão do critério conceitual para reconhecer um objeto; este reconhecimento seria a pedra de toque para a valoração conceitual para centralizar a acuidade de percepção: as coisas com seu poder mais ou menos visíveis e em outro poder que seria a de discriminação sobre. Aqui se vê que a similitude dos objetos não dependerá dela, mas sim de como o sujeito reage quando a mesma se apresenta: “Nosso acordo não dependerá tanto da similitude dos objetos, e sim da maneira uniforme como lhes reagiremos quando se apresentarem”. (Ibid, p,27).

O grande problema da conceptualização que seria a ação de organizar e/ou formar conceitos será a sua objetivação, pois decifrar este enigma que é o objeto as exigências para o mesmo seria mínima, então nesta perspectiva seria o espírito que projetaria esquemas, um método de construção e retificação; que trazia na ordem de criação pelo viés da assimilação, ou seja, seria a busca de um fim, ou seja, teleológico. Com isso: “O pensamento especulativo tende a tornar-se normativo”. (Ibid, p,28). 

O conceito em si ou o conceito sem uma categorização do sentido é inútil em sentido lato, é preciso trabalhá-lo ininterruptamente em sua construção linguística e contextual: “Apresentar um conceito isolado não é pensar”. (Ibid, p,28). Se for especulado sobre o que é o homem, ou seja, o conceito de homem? O que poderia ser pensado a não ser uma abertura de uma grande expectativa sobre tal: “O pensamento só começa com a linguagem, é contemporâneo da junção dos conceitos” (Ibid, p,28).

Abre-se aqui precedentes como: um conceito que traz em seu arcabouço empírico, nem sempre mantém-se sem deformações em abertura para o novo conhecimento: “O juízo sintético é necessariamente criador; mas tem de sê-lo progressivamente, por assimilação lenta. É preciso dissolver pouco a pouco os predicados no sujeito”. (Ibid, p,28). Tanto faz se o pensamento procurar o diverso ou a unidade que nada implicam em sua ação: “O ato de conhecer deve ser percebido em estado nascente, pois só aí tem sentido real. Confirmado, torna-se um mecanismo como qualquer outro”. (Ibid, p,28).

Costuma-se reter o conhecimento não como um juízo isolado e com isso acaba sendo proibido a sua fragmentação. “A enumeração cartesiana – que é a triangulação da generalidade – só pode comparar pontos de referência: não consegue suprir o conhecimento inventivo e ousado que deve conservar um elemento de liberdade (ação nascente) e que não pode ser obrigado a sistematizar todos os seus procedimentos” (Ibid, p,29).

Parece que o propósito tanto de Descartes como de Maxwell era a unificação e sem relação nenhuma com a ciência de sua época. Colocando desta forma o mundo como algo possível ao sujeito do conhecimento. Nesta ordem apresentá-se mais uma forma de unificação que de unidade. O penso descartiano é uma espécie de subjetivação gramatical. A experiência esta ligado com atributos e o sujeito a um conjunto: ”Pode permitir um juízo de verificação que retorna do sujeito assim constituído para os predicados e, por conseguinte, para a experiência”. (Ibid, p,29). Então seria possível dizer que a uma reação continua dos predicados sobre os sujeitos e do sujeito sobre os predicados, sendo que esta reação amortece; aí entraria a tese da descontinuidade conceptual: “A compreensão é uma função muito mal determinada da extensão”. ( ) “A relação reage sobre a essência”. (Ibid, p,30). 

Quanto à lógica ela não pode servir de comprovação sobre a realidade psicológica. W. James adverte que em todo estado de consciência que se conhece um objeto não há repetição deste mesmo estado, pois, este estado agora é uma novidade. “O estado de consciência em que reconheço um objeto não é a repetição do estado de consciência em que o conheci; é um estado de consciência novo”. (Ibid, p,31). Emprega-se o conceito para uma nova experiência. Então a conceptualização será possível por uma composição, pois ela sempre aparece inacabada. A análise é elencada por conceitos. 

Foi considerado até aqui a continuidade funcional do conceito considerando apenas os predicados. Sendo que é raro um estudo prolongado somente por conceitos, logo é apresentando uma intensidade ou grandeza. Os predicados são enriquecidos e tornam-se maleáveis. Se for possível captar a qualidade pode-se até chegar a um conhecimento aproximado em uma: “(...) superfície das coisas a fraca mobilidade qualitativa”. (Ibid, p,31).

O conhecimento pode ser pensado a partir de uma não intuição dos filósofos, mas de uma intuição progressiva e organizada. A base para isso seria um conhecimento com a ordenança de métodos e movimentos: “A repetição monótona de procedimentos simples é, no mínimo, uma repetição – isto é, um movimento. (...) um método que, em sua aparente modéstia, pode substituir a ambiciosa intuição imediata dos grandes filósofos por uma intuição progressiva organizada, apta a alargar os conceitos”. (Ibid, p,32). 


III – Ordem e Qualidade:


Dentro das qualidades separadas existe um gênero que possa falar sobre o conhecimento aproximado da qualidade: “A intensidade das sensações, como a dos estados psicológicos, é metafórica”. (Ibid, p,33). Mas, a metáfora traduz uma realidade no que diz respeito na espontaneidade da intuição. 


O caráter da ordem no quesito da matemática ela pré-figura o numero ordinal sobre o numero cardinal e utilizando o conceito de medida é definida como a ciência da quantidade. Bergson fala da desordem como ainda uma ordem, ou seja, mesmo quando o sujeito julga os erros em cálculo: “O conceito de ordem teria então o estranho privilégio de não ter o seu contrário”. (Ibid, p,34). 


“Se, em alguma parte, a ordem aparece na qualidade, por que tentar interpor o número? (...) O que introduz a noção de ordem – considerada em sua acepção mais vaga – na qualidade é que as nuanças de uma qualidade constituem uma multiplicidade, e o caráter primordial de uma multiplicidade é ser suscetível de ordenação”. (Ibid, p,34). 


Bergson fala da desordem como ainda uma ordem, ou seja, mesmo quando o sujeito julga os erros em cálculo: “O conceito de ordem teria então o estranho privilégio de não ter o seu contrário”. (Ibid, p,34). 


Esta ordem seria então a priori da percepção, porém sem negar a objetividade das classificações qualitativas. Neste esforço da objetividade a qualidade deve dispor-se a percepção mesmo que ocorra suspensão de juízo. As percepções não tem acuidade para classificar as percepções. 


As percepções confundem o “observador” no espaço-tempo, mas esse limite não é fixo, pois, os instrumentos o fazem regredir e a adaptação das percepções a esses instrumentos o faz regredir ainda mais. Lembrando que esse trabalho “contínuo” da percepção é fecundo e capta resultados experimentais.

Há concepção conceitual de “conceito de ordem e entre” decorrem um do outro: “O conceito de ordem surge, portanto, desde que seja possível aplicar o conceito de intercalação. A recíproca é evidente”. (Ibid, p,36). (Intercalado. Adj. Que se conseguiu intercalar “colocar no meio”; interposto). 
A ordem está no meio da qualidade e não depende de nenhuma metáfora quantitativa: “Só se consegue provar o papel parasita da grandeza ao se supor uma nítida heterogeneidade entre os casos comparados”. (Ibid, p,36). A consideração da força e do número como concomitantes separa-se o gênero estudado e acabado cometendo equívocos passando do visível para o invisível, do grande para o pequeno... Nenhuma intercalação permite passar progressivamente de uma para outra.

Bergson não explica a diferença de ordem. Sem a diferença como poderia haver a comparação?: “De fato, as sensações de mesma categoria se apresentam a nós no seu todo como uma multiplicidade. Essa multiplicidade não pode ser informe. Ela tem como característica mínima uma ordem, pois a ordem não tem contrario”. (Ibid, p,37).

O dado não está pronto e ordenado, é na multiplicidade que existe o dado. Se há um meio de identidade podem surgir o segundo, quando o dado se renova e há possibilidades de introduzir um terceiro, porque onde existe a diferença há a multiplicidade. A multiplicidade qualitativa: “(...) a percepção é facilmente analisada para isolar sob o complexo que a caracteriza elementos que, ao desenvolver-se, revelam-se como uma multiplicidade linear” (Ibid, p,38); em sua dimensão não encontra momentos para escolher suas direções, pois não há como sustentar que dois pontos distintos encontrem um terceiro ponto idêntico em sua direção, isto também ocorre com a visão, ou seja, a tonalidade das cores, a saturação e a clareza parecem aqui um problema em sua unidade substancial de impressão; é possível o encontro através de análise, independências múltiplas em sua linearidade, delimitar no interior do outro em sua multiplicidade existencial. “Uma análise imediata destacará multiplicidades lineares independentes. A lineação será característica da existência do mesmo no interior do outro”. (Ibid, p,38).

A base primordial do ponto de vista psicológico relatados por Bergson na ordem linear está acontecendo ao mesmo tempo em que uma outra coisa. A qualidade parece como uma dificuldade através da ideia de grandeza quando se pretende provocar um juízo de aproximação; aí se tenta explicar até que ponto o conhecimento qualitativo poderá apresentar-se como uma aproximação. Adentra-se nas questões de comparação, onde duas qualidades considera uma diferença e no caso da ideia quantitativa duas quantidades da mesma espécie sustenta a mesma relação: “Dois estados da qualidade implicam uma diferença, três estados uma intercalação. E nada mais”. (Ibid, p,39).

Entre estudos sobre geometria projetiva, apontada por Bertrand Russel e estudos das qualidades traduz em ambas doutrinas de qualificação. Nestes estudos qualitativos falta clareza por que tenta-se fugir dos hábitos da linguagem e modelos métricos. “Mas, por que abriríamos mão de utilizar uma imagem cômoda para traduzir uma realidade oculta? Cremos, portanto ter o direito de denominar juízo de aproximação o juízo dedutivo provocado pela quarta experiência qualitativa. Não passa ainda de imagem, de esquema. Mas veremos que esse esquema dá coerência e clareza à nossa ciência qualitativa e que ele indica bem, em sua ordem progressiva, os diferentes graus de nosso conhecimento”. (Ibid, p,40).

Nesta ora a ciência da extensão que seria uma qualificação mais que um objeto de quantificação estaria na ordem de benefícios de clareza e precisão suplementar. Se todas as geometrias a definição de distância e a geometria projetiva se caracteriza pela experiência e que é realizada com os sólidos. “A nova física faz até objeções mais fundamentais: ela não aceita de imediato que se verifique o comprimento de um sólido com a ajuda de um régua dividida em graus. É claro que se pode propor como postulado que essa verificação é legitima, já que não se pode provar que ela não o é. Mas isso equivale a introduzir uma arbitrariedade. A congruência é um verdadeiro postulado”. (Ibid, p,41).

Aqui se identifica o sistema de medidas e o sistema de coordenadas que serve para demarcá-los, na geometria do espaço-tempo. A igualdade ou exatidão ao propósito que se destina a ordem a qual se destina não fica aqui obrigado a aceitar um postulado qualitativo que sobreponha um intervalo sobre o outro. “Devemos, é evidente, permanecer senhores de nossos postulados, seja no estudo da qualidade, seja no estudo da geometria. Em particular, uma ciência qualitativa não está obrigada a aceitar um postulado de congruência por transporte de um intervalo qualitativo sobre outro. Esse conhecimento não é atingido pela crítica que mostra a impossibilidade de justapor dois intervalos qualitativos de origem diferente”. (Ibid, p,41). 

Na qualidade a um elemento esquemático pela distância. O contraste seria este elemento determinante. Elemento esse metafísico de difícil definição assim como o seu intervalo. Pois a dualidade só haverá se houver dois pontos no espaço: “O contraste seria um dado que difere do dado que encontramos até agora, pois o espírito não pode reconstruí-lo; o contraste escapa do pensamento formador que se afirma ao reorganizar seus elementos”. (Ibid, p,42). Aqui é a ordem de relação especificada. O descontinuo para não cair em erro deve distribuir-se num continuo entre o intervalo e o contraste. “Mas esse descontinuo, se não quiser cair na confusão e se afastar das condições do conhecimento discursivo, deve distribuir-se num continuo (esquema da possibilidade indefinida dos atos); esse continuo é que se manifesta em geometria pelo intervalos e na qualidade, pelo contraste”. (Ibid, p,42). 

O conhecimento é uma ação, ou seja, é um ato; o contraste é possível ser entendido apenas por atos que pela sua divisão pode torná-lo algo que semelhante. Aqui encontra-se um problema de linguagem na geometria clássica entre intervalo, igualdade e postulado de congruência quando são transportados a primeira sobre a segunda. Pela expressividade por imagens em uma comparação de dois cinzas a aquarela resolveria o problema das cores ao conhecimento do senso comum. Agora entre o transporte de um comprimento sobre outro comprimento: “O elemento distinguido é muitas vezes fixado de modo pouco preciso, mas a flutuação nas respostas pode ser tratada pelo calculo de probabilidades. Esse cálculo faz aparecer uma convergência certa dos resultados. É o final suficiente de sua objetividade”. (Ibid, p,43). O problema até pode ser considerado generalista, mas a tese dos intervalos musicais e toda a aritmética de sua escala fornecem confirmações. 

Todo empirismo não leva a prova ao estudo analítico. A qualidade no que tange a aritmética torna-se mais complexa. Porém a intuição precisa acaba em dicotomia. Essa operação repetida a aqui leva há uma operação binária adequada ao estudo das qualidades: “A dicotomia leva a um método fecundo de aproximação qualitativa”. (Ibid, p,44).

A noção de medida não deve seduzir ao conhecimento. Se medir é conhecer e se conhecer é descrever a dicotomia é o melhor método a ser utilizado: “Mas o método dicotômico logo se torna inaplicável; logo o semelhante se aglomera numa espécie de átomo qualitativo que nenhum esforço de atenção consegue cindir. Percebe-se que ele ainda é complexo, mas a análise torna-se tão incerta que já não é tentada”. (Ibid, p,44). 

O conhecimento na abordagem que se refere à quantidade, será que tem-se o mesmo objeto com precisão segura e exata ou a inexatidão permeia toda está abordagem complexa do conhecimento?: “No reino da quantidade, os procedimentos de medida são passiveis da mesma critica. Parece que, com a medida, se obtém maior exatidão, e os resultados também parecem menos afetados pela equação pessoal. Mas, em ambos os casos, o obstáculo é de igual natureza”. (Ibid, p,44-45).

Será difícil provar que o átomo esta em correspondência psicológica, mas na experiência verifica-se esta possibilidade ligada aos sentidos, habilidades e conhecimentos. Se por exemplo, o diapasão e a corda vibratória duas notas musicais que familiar aos ouvidos. Em suas notas altas e baixas encontram-se ambas no intervalo de indeterminação sendo que o aparelho de detecção é ouvido humano com suas extensões: “(...) Esse procedimento oscilante procura um termo” (Ibid, p,45). Aqui pela possibilidade do termo aberrante restabelece-se a dicotomia: “O átomo qualitativo é dilatado para possibilitar que se lhe vise melhor o centro”. (Ibid, p,45). 

Parece um estranho artifício para compreender a realidade dos sons em busca de uma segurança de um conhecimento aproximado. E cair em busca de um conhecimento exato para apreender a realidade é quase impossível: “(...) já que a coincidência entre pensamento e realidade é um verdadeiro monstro epistemológico, é indispensável que o espírito se mobilize para refletir as diversas multiplicidades que qualificam o fenômeno estudado sem deixar de lado o que o circunda”. (Ibid, p,46).

A saber, é necessário o reconhecimento do espírito sobre a possibilidade do conhecimento, da apreensão do objeto tanto na ocasião do quantitativo como do qualitativo, pois, não é seguro somente uma forma de abstração do conhecimento sobre o real; este tipo de juízo é coerente como a proposta de uma filosofia da aproximação. Compreender os conceitos no grupo intuitivo, perceptivo é tarefa de buscar o heterogêneo no homogêneo, um está ligando e entrelaçado ao outro:”(...) por mais que esse elemento isolado esteja marcado por uma oportunidade excepcional. Esse elemento privilegiado não pode esposar a complexidade do real ou do irracional. No máximo, anula a lei fundamental do pensamento em movimento que nos obriga incessantemente a buscar o heterogêneo no interior do homogêneo para tentar em seguida, num movimento contrario, uma assimilação do semelhante e do idêntico”. (Ibid, p,46). 

A partir da descontinuidade ou de experiências separadas, o pensamento ordenado toma um sentido de valor diante do conjunto de suas partes: “A ordem que se introduziu nos sucessivos graus de um conhecimento é um elemento positivo que merece um exame particular. Logo, é possível estudar a aproximação em si e para si mesma”. (Ibid, p,47). Esse estudo da filosofia da aproximação ela vai agir principalmente nas áreas na qual ela é mestra: na física e na matemática. 

“É no estudo dos fenômenos físicos que esses métodos serão apurados, aperfeiçoados. (...) Essa multiplicidade inesgotável talvez justifique nosso plano que, no fundo, vai do simples para o complexo, de um conceito fundamental, a ordem, para conceitos derivados, numero e grandeza, do finito para o infinito”. (Ibid, p,47).

A aproximação do conhecimento vai realizar inúmeros termos racionais para tentar ter alcance sobre o irracional que a matemática, por outro viés, constituiu como seres.


Referência:

Bachelard. G. Ensaio sobre o conhecimento aproximado, Rio de Janeiro Ed. Contraponto, 2014.


Resumo - Gaston Bachelard - Epistemologia

Se queremos avaliar as dificuldades da formação do espírito científico, não será bom primeiro examinar os espíritos confusos, a fim de delinear os limites entre o erro e a verdade?” (Bachelard, p. 112, 1996).

A filosofia de Bachelard é não-positivista e não-neopositivista¹; a influência de sua filosofia manteve-se ao longo dos anos e suas ideias, como “rupturas epistemológicas” ou de “obstáculos epistemológicos”, e sobretudo sua consideração da historia da ciência como instrumento primário na análise da racionalidade, se revelaram, em nossos dias, sempre mais importantes.
O filosofo - deve ser contemporâneo da ciência de seu tempo; e isso porque a filosofia sempre esta em atraso de uma mutação em relação ao saber cientifico, com a consequência de que a ciência não tem a filosofia que merece. E precisa entrar de fato dentro da ciência para entender que “não é a razão filosófica que ensina a ciência, mas que é a ciência que instrui a razão"; e para compreender - diversamente dos neopositivistas - que "um pouco de metafísica nos afasta da natureza, muita metafísica dela nos aproxima".
Em a “Filosofia do Não”, Bachelard escreve: “A aritmética não se baseia na razão². É a doutrina da razão que se baseia na aritmética elementar. Antes de saber contar, eu não sabia de modo algum o que era a razão”.
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¹O neopositivismo enfatizam a experiência, o que passa pela verificação e não se preocupam com o abstrato.
² Referencial de orientação do homem em todos os campos em que seja possível a indagação ou a investigação. A razão pode ser entendida em dois significados subordinados: A) como faculdade orientadora geral; B) como procedimento específico de conhecimento. (Dicionário de Filosofia. Nicola ABBAGNANO, M. F., 2007).
E, diversamente ainda dos neopositivistas, Bachelard chama a atenção para a história da ciência; uma atenção que o faz dizer em - “A formação do espírito científico” - que se conhece sempre contra um conhecimento anterior ("não ha verdade sem erro retificado"), que a pesquisa avança por meio de sucessivas rupturas epistemológicas, mesmo se tais rupturas efetivas ou cortes não são passos tão fáceis, uma vez que o pesquisador choca-se frequentemente com aqueles que Bachelard chama de obstáculos epistemológicos (por exemplo, o obstáculo animista: "a palavra vida é uma palavra mágica. Uma palavra valorizada").
O espírito científico proíbe que tenhamos opinião sobre questões que não compreendemos, sobre questões que não sabemos formular com clareza. Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas. E digam o que disserem, na vida científica os problemas não se formulam de modo espontâneo. É justamente esse sentido de problema que caracteriza o verdadeiro espírito científico. Para o espírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído. 
Entre o conhecimento comum e o conhecimento científico a ruptura nos parece tão nítida que estes dois tipos de conhecimento não poderiam ter a mesma filosofia.
O empirismo é a filosofia que convém ao conhecimento comum. O empirismo encontra aí sua raiz, suas provas, seu desenvolvimento.
O conhecimento científico é solidário com o racionalismo e, quer se queira ou não, o racionalismo está ligado à ciência, o racionalismo reclama fins científicos. Pela atividade científica, o racionalismo conhece uma atividade dialética que prescreve uma extensão constante dos métodos.
O racionalismo aplicado
O racionalismo bachelardiano tem um sentido muito próprio que é a preocupação constante com a aplicação. O "racionalismo aplicado", que é uma marca fundamental do "novo espírito científico", atua na dialética entre a experiência e a teoria, o que significa a dupla determinação do espírito sobre o objeto e deste sobre a experiência do cientista. "Impõe-se hoje situar-se no centro em que o espírito cognoscente é determinado pelo objeto preciso do seu conhecimento e onde, em contrapartida, ele determina com mais rigor sua experiência“.
O problema da criação científica
Fenomenotécnica: Bachelard, ao afirmar que “nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído”, ele diz mais do que uma afirmação da invenção propriamente científica, porque, no limite, para isto “encontra-se o real como um caso particular do possível”. Quando Bachelard diz da invenção científica, ele não diz que o cientista tenta compreender, descrever ou interpretar o real dado no mundo – aquilo que existe aí, anteriormente ao nosso pensamento. Não. Ele quer dizer que as teorias contemporâneas a ele criam um “real” inexistente até então, pois o “fenômeno científico é verdadeiramente configurado, reúne um complexo de experiências que não se encontram efetivamente configuradas na natureza”. O cientista criaria algo possível, fazendo hipóteses e buscando verifica-las a posteriori, experimentalmente. Dirá assim de uma abertura da razão diante das “lições” que podemos tomar das ciências. Citando o filósofo alemão Nietzsche: só se conhece contra ou apesar de”. (Foucault, 1988).

As “rupturas epistemológicas”
“Não existe conhecimento e nem verdade sem erro retificado”.
Nesse caminho, seria forçoso aceitar, para a epistemologia, o postulado de que o objeto não pode ser designado com um objetivo imediato, pois é preciso aceitar uma verdadeira ruptura entre o conhecimento sensível e o conhecimento científico, sem pragmatismo e realismo imediato.
Os pontos fundamentais de seu pensamento podem ser reduzidos a quatro:
   1) o filósofo deve ser "contemporâneo" a ciência de seu próprio tempo;
   2) tanto o empirismo de tradição baconiana como o racionalismo idealista descartiano são incapazes de dar conta da pratica cientifica real e efetiva;
   3) a ciência é um evento essencialmente histórico;
   4) a ciência possui um "inevitável caráter social".

Obstáculos epistemológicos
O obstáculo epistemológico é uma ideia que impede e bloqueia outras ideias: hábitos intelectuais cristalizados, a inércia que faz estagnar as culturas, teorias cientificas ensinadas como dogmas, os dogmas ideológicos que dominam as diversas ciências - eis alguns obstáculos epistemológicos:
a) O primeiro obstáculo a superar é o de derrubar a opinião: "A opinião, por direito, esta sempre errada. A opinião pensa mal, não pensa, traduz necessidades por conhecimentos. Decifrando os objetos segundo sua utilidade, impede-se de conhecimentos. Não se pode basear nada na opinião: antes de mais nada, é preciso destruí-la".
b) Outro obstáculo é a falta de genuíno sentido dos problemas, sentido que se perde quando a pesquisa se encerra na casca dos conhecimentos dados como adquiridos e não mais problematizados. Mediante o uso, diz Bachelard, as ideias se valorizam indevidamente. E esse é um verdadeiro fator de inércia para o espírito. Por vezes, ocorre que uma ideia dominante polariza o espírito em sua totalidade. "Ha cerca de vinte anos, um epistemólogo irreverente dizia que os grandes homens são uteis para a ciência na primeira metade de sua vida, e nocivos na segunda metade".

Obstáculos importantes e difíceis de remover são:
c) o obstáculo da experiência primeira, ou seja, da experiência que pretende se situar além da critica;
d) aquele que pode ser chamado obstáculo realista, e que consiste na sedução da ideia de substancia;
e) por fim, aquele que se pode chamar de obstáculo animista ("a palavra vida é palavra mágica. É palavra valorizada").
Conclusão
Diante dessas realidades constituídas pelos obstáculos epistemológicos, Bachelard propõe uma psicanálise do conhecimento objetivo, voltada para a identificação e para a remoção dos obstáculos que bloqueiam o desenvolvimento do espírito cientifico. Tal catarse torna-se absolutamente necessária se quisermos tornar possível o progresso da ciência, já que se conhece sempre contra um conhecimento anterior.

Referências
G. Reale - D. Antiseri. Historia da filosofia v. 7, São Paulo, Ed. Paulus, 2006.
G. Reale - D. Antiseri. Historia da filosofia v. II, São Paulo, Ed. Paulus, 2007.
Assis Saes S. F. Percepção e imaginação, São Paulo, Ed. M. Fontes, 2010.
Bachelard. G. Novo espírito científico, Editora: Tempo brasileiro 2000.
____________. A Filosofia do Não: Filosofia do novo espírito científico, Editorial Presença, 1991.
____________. A formação do espírito científico :Contribuição para uma psicanálise do  conhecimento, Editora: Contraponto, 1996.
____________ . A experiência do espaço na física contemporânea, Editora: Contraponto, 2010.

FOUCAULT. Michel. Nietzsche, a genealogia e a história, In: Microfísica do Poder, Edições Graal, 1988.