quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Inferências e Proposições

A máxima: “Eu ajo com o outro, da mesma maneira que desejo que ajam comigo”. Se esta proposição for levada a cabo de forma não inferencial ou inferencial, como ela pode ser mensurada?

S P;
P S;
Logo, S P e P S.

No ato de uma ação sensorial onde: S P e P S, qual a proposição que justifica esta assertiva? Se sempre que S deliberar uma ação no intuito de um retorno com o mesmo objetivo de P será que esta inferência encontra-se em harmonia com a proposição? S deseja agir de forma causal onde o efeito de sua deliberação seja sempre seguro; P espera de forma recíproca a mesma assertiva. Como ter segurança de que S P e P S que a mesma inferência será justificada pela recíproca?

Uma proposição Ética não pode ser uma prerrogativa justificada onde implicações sejam seguras. O interlocutor e sua deliberação não tem uma epistemologia para estas inferências diante de preposições, pois a linguagem utilizada tem em seu pressuposto a priori uma implicação moral. Este arcabouço não faz frente há uma objetividade, mas sim há uma subjetividade mediante sua representação de mundo e de segurança nas ações deliberadas como responsável pelo corpo teórico e moral que depende tão somente dele.

Então, pensar que uma máxima pode e deve garantir esta segurança epistêmica é de um romantismo pitoresco, assim como, deliberar com a esperança do mesmo. Quando se envereda neste viés onde: “Eu delibero, e espero a mesma deliberação perante as ações mutuas”; é caracterizar e caricaturar a ação como um objeto que pode ser demarcado e estabilizado num coro autêntico de reciprocidade.


Então S P e P S, já está implicado em proposições e inferências, assim como, é assertivamente o principio de identidade e do terceiro excluído aristotélico; onde A é A e não pode não ser A; para qualquer proposição, ou esta proposição é verdadeira, ou sua negação é verdadeira. Se S delibera uma proposição inferencial ou não inferencial que implique o desejo em P e sendo que se P tem como recíproca verdadeira a mesma implicação, está assertiva é falsa e tornaria a mesma em um ad infinitum e ad abusurdum.


“Eu ajo com o outro, da mesma maneira que desejo que ajam comigo”. Está máxima deve ser tomada como princípio universal como aporte de um norte para se pensar em boas relações, mas não como garantidor de uma relação causal, ou seja, se um sujeito agir Y em relação a Z irá ter implicação Y recíproco de Z. 

A proposição inferencial não pode garantir nada, pois, o interlocutor é o sujeito da ação deliberada; e se o mesmo esperar pela reação recíproca como garantia de sua deliberação o que poderá ocorrer é tão somente uma neurose e um complexo assertivo. A Ética trata dos valores morais, enquanto a epistemologia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento. Logo, podemos demarcar que no campo da Ética a epistemologia não pode dar conta de assertivas proposicionais que venha a ser garantidora de uma ação deliberada por subjetividades.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

A subversão do conceito de Individualismo


No Jardim do Éden “Deus” cria um casal “Adão e Eva”, logo em seguida, fruto desta relação nasceu “Caim e Abel”. Caim dedica-se às coisas do campo enquanto Abel cuida das ovelhas. Ambos querem apresentar algo ao “Criador” - simbolismo de agradecimento por suas vidas. Caim leva o fruto da terra e Abel traz as partes gordas das primeiras crias. Como o “Criador” não se impressiona com a beleza das coisas que as mãos lhe apresentam, mas tem a prerrogativa de enxergar as motivações por detrás delas, decidiu aceitar com alegria a oferta de Abel e rejeitar a de Caim. Abel em sua individualidade pensa em agarrar a parte que lhe é própria, enquanto Caim perde neste momento sua individualidade, pensa somente em si mesmo, tendo como pressuposto seu egoísmo exacerbado.

Juste un moment. Abel era individualista? E Caim era egoísta?

Um sujeito que vive uma vida marota e liquida, ou seja, que lhe falta às certezas, que não há mais uma garantia sobre nada – logo é chamado de individualista pela característica de não ser propriedade de outrem, ou seja, pertencente-autônomo; mas então o que será que é tomado ou considerado como um ser individualista? A palavra deriva do Latim - “individuus”, tendo duas significações: 1. Não pode separar; 2. Inseparável. Ou seja, tudo aquilo que está contido no todo é uno tornando-se individual. Faz-se aqui um contraponto entre a etimologia “individuus” com o "in - dividuus", ou seja, "dividuus" - vem de "dividere" = separar; "in" - significa o contrário: Não podendo ser separado.

A palavra ganha o significado de "individualismo" em sua definição contemporânea de forma subversiva, ou seja, como se o sujeito estivesse separado de tudo e de todos sendo assim conceitualizado como egoísmo. As “ideias” filosofias desenvolvidas pelo “Iluminismo” - entre outros o conceito que nenhum sujeito é “Propriedade de Alguém”; nem deus, nem o rei, nem mãe/pai - sendo o sujeito mesmo o criador de seus próprios valores através da emancipação - isso por si só já é uma revolução. Pertencer ao todo, está ligado ao outro não quer dizer que o outro seja meu proprietário, a individualidade do sujeito não despreza o pertencimento a outrem - o sujeito pertence a humanidade, a natureza, logo ele é indivisível. Porém ser indivisível quer dizer ser diferente do todo, o todo é uma constelação da diferenciação. Todo homem é individualista, o sujeito é homem, logo, o homem é individualista. 

Como o conceito foi subvertido de “individualismo” para “egoísmo” a qualificação do sujeito emancipado torna-se um paradoxo e uma aporia retórica que enseja numa filologia periférica. Egoísmo tem sua raiz à palavra Latina - “quaerere”: Ego significa “eu” mais o sufixo “ismo”, doutrina, sistema, teoria, tendência, corrente - é o amor exagerado aos próprios interesses a despeito dos de outrem. Na contemporaneidade o individualismo se não for qualificado com a definição de egoísmo é visto como uma espécie de estranhamento, pelo fato que ele é definido como uma categorização de adjetivo perdendo assim seu caractere próprio e legítimo dentro do contexto histórico e filológico. A essência do termo se esvai - assim como a aura se dissipa da estética autêntica.



quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Networking - Micropoderes



Networking (em inglês) rede de contatos - para Michel Foucault existe em todas as relações sociopolítico-econômico - rede de micropoderes, que se estabelecem em todos os lugares – familiares, regionais, locais - dentro do conjunto de possibilidades de conflitos - articulado horizontalmente, mas emergem difusas articulações verticais – institucionalização dos poderes plurais tendenciosamente para um centro político, para um poder aproximado do eixo de rotação.

Os micropoderes - poderes difusos, ou seja, poder de realizar mudanças no sentido das normas,  o poder de se promover a "mutação do discurso"; alterar a interpretação das normas para que os discursos possam acompanhar os anseios da sociedade que atuam pela persuasão e pelo desejo.

Os discursos de poder,

“(...) não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”. (FOUCAULT, p. 10, 2014).

O poder discursivo dos meios sociais, da difusão da rede de micropoderes - este grupo não se organiza no vazio, mas antes dentro de um quadro estrutural - de acordo com certas regras do jogo. Há uma estrutura de rede (network structure), uma relação de relações, uma rede de micropoderes sociais, onde o poder-saber permeia toda esta rede. “As relações de poder-saber não são formas dadas de repartição, são ‘matizes de transformações’”. (FOUCAULT, p. 108, 2013).

Dentro deste sociopolítico, poder-saber, existe um campo concentrado, uma governabilidade que coordena o organograma em sua delimitação entre os grupos, buscando uma estabilidade diante das tensões. “(...) deve-se pensar em duplo condicionamento, de uma estratégia, através da especificidade das táticas possíveis e, das táticas, pelo invólucro estratégico que as faz funcionar”. (FOUCAULT, p. 109, 2013).

Para concluir, Foucault ainda adverte: “Não existe um discurso do poder de um lado e, em face dele, um outro contraposto”. (FOUCAULT, p. 110, 2013). Os discursos são sempre elementos táticos de correlações de forças, ou seja, aqueles que participam dos blocos de rede de contatos “Networking” - podem existir discursos contrários e mesmo contraditório a rede, podem circular dentro destas redes sem modificar a forma estratégica oposta a elas (Networking); porque todo discurso veicula e sempre produz e reforça os micropoderes.

Referência

FOUCAULT. M. História da sexualidade: a vontade de saber, Rio de Janeiro: Paz & Terra. 2013.

FOUCAULT. M. A ordem do discurso, São Paulo: Edições Loyola. 2014. 

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Resumo: "Idealismo hegeliano"



Considera-se idealismo como o primado do Eu subjetivo. O que não significa necessariamente reduzir a realidade ao pensamento. O postulado básico é que Eu sou eu. Idealismo subjetivo: existir é ser percebido. Idealismo absoluto: a única realidade plena e concreta é de natureza espiritual.

Estágios da consciência:

- consciência sensível (percepção);
- consciência infeliz (enorme autoconsciência que queremos dar sentido a tudo e nos sentimos isolados);
- consciência em-si-para-si (Espírito Absoluto) consciência ligada à ação, para transformar algo/mundo.

Dialética Hegeliana:

- dialética do senhor e do escravo (a questão entre eu e o outro);
- dialética do ser “O ser e o nada é um e o mesmo;”
- dialética da essência “A essência é o ser enquanto aparecer em si mesmo;”
- dialética do conceito “O conceito é a unidade entre o ser e a essência.”
Ninguém é o que é por acaso; os homens são filhos do seu tempo.

“A filosofia é a ave de Minerva que alça o seu voo logo ao cair da tarde.” (A ave de Minerva é a coruja da deusa Atena - Grécia (Minerva). - Roma), que essa ave que tudo conhece que é a sabedoria que tanto a buscamos só pode enxergar as coisas que passaram, ela enxerga as coisas de cima, é compreensiva. Hegel tenta mapear todo o histórico para justificar as coisas.

“O que quer que aconteça cada individuo é sempre filho de sua época; portanto, a filosofia é a sua época tal como apreendida pelo pensamento. É tão absurdo imaginar que a filosofia pode transcender sua realidade contemporânea quanto imaginar que um indivíduo pode superar seu tempo, saltar sobre Rodes.”

 A filosofia de Hegel é a tentativa de considerar todo o universo como um todo sistemático. O sistema é baseado na fé. Na religião cristã, Deus foi revelado como verdade e como espírito. Como espírito, o homem pode receber esta revelação. Na religião a verdade está oculta na imagem; mas na filosofia o véu se rasga, de modo que o homem pode conhecer o infinito e ver todas as coisas em Deus. 

O sistema de Hegel é assim um monismo espiritual, mas um monismo no qual a diferenciação é essencial. Somente através da experiência pode a identidade do pensamento e o objeto do pensamento ser alcançado, uma identidade na qual o pensar alcança a inteligibilidade progressiva que é seu objetivo. Assim, a verdade é conhecida somente porque o erro foi experimentado e a verdade triunfou; e Deus é infinito apenas porque ele assumiu as limitações de finitude e triunfou sobre elas. 

Similarmente, a queda do homem era necessária se ele devia atingir a bondade moral. O espírito, incluindo o Espírito infinito, conhece a si mesmo como espírito somente por contraste com a natureza. 

O sistema de Hegel é monista pelo fato de ter um tema único: o que faz o universo inteligível é vê-lo como o eterno processo cíclico pelo qual o Espírito Absoluto vem a conhecer a si próprio como espírito (1) através de seu próprio pensamento; (2) através da natureza; e (3) através dos espíritos finitos e suas auto-expressões na história e sua auto-descoberta, na arte, na religião, e na filosofia, como um com o próprio Espírito Absoluto. 

O compendio do sistema de Hegel Enciclopédia das Ciências Filosóficas, é em três partes: Lógica, Natureza e Espírito. O método de exposição é dialético. Acontece com frequência que em uma discussão duas pessoas que a princípio apresenta pontos de vista diametralmente opostos depois concordam em rejeitar suas visões parciais próprias e aceitar uma visão nova e mais ampla que faz justiça à substância de cada uma. Hegel acreditava que o pensamento sempre procede deste modo: começa por lançar uma tese positiva que é negada imediatamente pela sua antítese; então um pensamento seguinte produz a síntese. Mas esta síntese, por sua vez, gera outra antítese, e o mesmo processo continua uma vez mais. O processo, no entanto, é circular: ao final, o pensamento alcança uma síntese que é igual ao ponto de partida, exceto pelo fato de que tudo que estava implícito ali foi agora tornado explícito (tudo que estava oculto no ponto inicial foi revelado?) 

Assim o pensamento propriamente, como processo, tem a negatividade como uma de seus momentos constituintes, e o finito é, como a auto-manifestação de Deus, parte e parcela do infinito mesmo. O sistema de Hegel da conta desse processo dialético em três fases: 

Lógica: O sistema começa dando conta do pensamento de Deus "antes da criação da natureza e do espírito finito", isto é, com as categorias ou formas puras de pensamento, que são a estrutura de toda vida física e intelectual. Todo o tempo, Hegel está lidando com essencialidades pura, com o espírito pensando sua própria essência; e estes são ligados junto em um processo dialético que avança do abstrato para o concreto. Se um homem tenta pensar a noção de um ser puro (a mais abstrata categoria de todas), ele encontra que ela é apenas o vazio, isto é, nada. No entanto, o nada "é". A noção de ser puro e a noção de nada são opostas; e no entanto cada uma, quando alguém tenta pensa-la, passa imediatamente para a outra. Mas o caminho para sair dessa contradição é de imediato rejeitar ambas as noções separadamente e afirma-las juntas, isto é, afirmar a noção do vir a ser, uma vez que o que ambas vem a ser é e não é ao mesmo tempo. O processo dialético avança através de categoria de crescente complexidade e culmina com a idéia absoluta, ou com o espírito como objetivo para si mesmo. 

Natureza: A natureza é o oposto do espírito. As categorias estudadas na Lógica eram todas internamente relacionadas umas às outras; elas nascem umas das outras. A natureza, no entanto, é uma esfera de relações externas. Parte de espaço e momentos do tempo excluem-se uns aos outros; e tudo na natureza está em espaço e tempo e assim é finito. Mas a natureza é criada pelo espírito e traz a marca de seu criador. As categorias aparecem nela como sua estrutura essencial e é tarefa da filosofia da natureza detectar essa estrutura e sua dialética; mas a natureza, como o reino da "externalidade", não pode ser racional sequencialmente, de modo que a racionalidade prefigurada nela torna-se gradualmente explícita quando o homem aparece. No homem a natureza alcança a autoconsciência. 


Espírito: Aqui Hegel segue o desenvolvimento do espírito humano através do subconsciente, consciente e vontade racional. Depois, através das instituições humanas e da história da humanidade como a incorporação e objetivação da vontade; e finalmente para a arte, a religião e filosofia, na qual finalmente o homem conhece a si mesmo como espírito, como um com Deus e possuído da verdade absoluta. Assim, está então aberto para ele pensar sua própria essência, isto é, os pensamentos expostos na Lógica. Ele finalmente voltou ao ponto de partida do sistema, mas no roteiro fez explícito tudo que estava implícito nele e descobriu que "nada senão o espírito é, e espírito é pura atividade". 

Nos trabalhos políticos e históricos de Hegel, o espírito humano objetiva a si próprio no seu esforço para encontrar um objeto idêntico a si mesmo. A Filosofia do Direito cai em três divisões principais. A primeira trata da lei e dos direitos como tais: pessoas (isto é, o homem como homem, muito independentemente de seu caráter individual) são o sujeito dos direitos, e o que é requerido deles é meramente obediência, não importa que motivos de obediência possam ser. O Direito assim é um abstrato universal e portando faz justiça somente ao elemento universal na vontade humana. O indivíduo, no entanto, não pode ser satisfeito a menos que o ato que ele faz concorde não meramente com a lei, mas também com suas próprias convicções conscientes. Assim, o problema no mundo moderno é construir uma ordem política e social que satisfaça os anseios de ambos. E Assim, nenhuma ordem política pode satisfazer os anseios da razão a menos que seja organizada de modo a evitar, por outra parte, a centralização que faria os homens escravos ou ignorar a consciência e, por outro lado, um antinomianismo que iria permitir a liberdade de convicção para qualquer indivíduo e assim produzir uma licenciosidade que faria impossível a ordem política e social. O estado que alcança essa síntese apoia-se na família e na culpa. É diferente de qualquer estado existente nos dias de Hegel; é uma forma de limitada monarquia, com governo parlamentarista, julgamento por um júri, e tolerância para judeus e dissidentes. 

Na filosofia da história pressupôs que a historia da humanidade é um processo através do qual a humanidade tem feito progresso espiritual e moral e avançado seu autoconhecimento. A história tem um propósito e cabe ao filósofo descobrir qual é. Alguns historiadores encontraram sua chave na operação das leis naturais de vários tipos. A atitude de Hegel, no entanto, apoiou-se na fé de que a história é a representação do propósito de Deus e que o homem tinha agora avançado longe bastante para descobrir o que esse propósito era: ele é a gradual realização da liberdade humana. 


O primeiro passo era fazer uma transição da vida selvagem para um estado de ordem e lei. Estados têm que ser encontrados por força e violência; não há outro caminho para fazer o homem curvar-se à lei antes dele ter avançado mentalmente tão longe suficiente para aceitar a racionalidade da vida ordenada. Vai haver um ponto no qual alguns homens aceitam a lei e se tornam livres, enquanto outros permanecem escravos. No mundo moderno o homem passou a apreciar que todo homem, como espíritos, são livres em essência, e sua tarefa é assim enquadrar instituições sob as quais eles serão livres de fato.


Principais obras: 

Fenomenologia do Espírito (1807) 

É uma introdução ao sistema lógico criado por Georg Wilhelm Hegel. Nesta obra encontramos a sequência das diferentes formas ou fenômenos da consciência. A consciência não parte do saber absoluto, mas conduz necessariamente a ele. Assim o pensamento pode situar-se na imediatez do absoluto, ser ciência da ideia absoluta. Esta ciência da consciência procede dialeticamente, num processo de constante afirmações e negações sucessivas, que conduz à certeza sensível ao saber absoluto. É o mesmo processo que serve à filosofia para manifestar a ideia. 

No percorrer das figuras fenomenológicas, o estado de inconsciência na relação com o objeto, em que as contradições vão levando a um reconhecimento pleno que a consciência faz de si mesma e da identidade essencial consigo mesma. Na “espiral dialética, a consciência percorre as seções da certeza sensível, a percepção, o entendimento, a verdade da certeza que a consciência tem de si mesma, a certeza e verdade da razão, a efetivação da consciência de si racional, a individualidade, e então o Espírito, a religião, e enfim, o saber absoluto. 

Enciclopédia das Ciências Filosóficas (1817) 

Obra sistemática que procura expressar a ideia de enciclopédia e como exposição abreviada da Ciência da Lógica (1812-1816). Nesta obra Hegel procura fazer essa apresentação das ciências a partir do raciocínio dialético. O fundamento do conteúdo enciclopédico é o saber absoluto da filosofia especulativa, sendo que esse mesmo conteúdo enciclopédico que era fim da filosofia do espírito é agora início da Lógica, levando a crer que o saber que é o fim é a verdade do começo. O saber que é o fim e é a verdade do começo se dá apenas na medida em que o saber absoluto (enciclopédico) se põe como mediação: deve ser mediatizado pelo seu próprio conteúdo, ao mesmo tempo que se compreende nessa mediatização. 

Princípios da Filosofia do Direito (1820) 

Manual publicado para o uso dos estudantes que assistiram às suas aulas na Universidade de Berlim. Esta obra tem uma influência muito grande para a teoria política e social, sobretudo para as várias correntes do marxismo e mesmo do liberalismo. Hegel desenvolve parte do seu sistema publicado na Enciclopédia das Ciências filosóficas (1817), correspondendo à teoria do espírito objetivo. É a parte prática de Hegel. O Espírito tende à liberdade, à completude. Busca encarnar-se adequadamente no mundo, como dever-ser, isto é, pelas normas que tornam possível a sua efetivação. A obra divide-se em um prefácio, o direito abstrato, a moralidade, a vida ética (a família, a sociedade civil e o Estado), e o direito público interno, nas suas várias formas de manifestação. 

Lições Sobre a Filosofia da História (Póstumo: 1937) 

Para Hegel, a Ideia, na Fenomenlogia do Espírito (1807), é realidade na história. O objetivo da história universal é que o espírito torne-se um saber verdadeiro e se realize no mundo presente de modo concreto, como objetividade. A racionalidade integral da história implica ainda a realização completa da moral e da liberdade. O sujeito da história é justamente o povo e seu espírito, em que a marcha dos acontecimentos leva à constituição do Estado, reunindo os costumes, a arte e o direito. O fim da história é justamente realizar a liberdade e a razão. Nessa obra, Hegel percorre, assim, os vários momentos enciclopédicos não como uma descrição dos fatos, mas como uma lógica do percurso histórico dos acontecimentos. 





terça-feira, 6 de setembro de 2016

Resenha – O nascimento da clinica - Michel Foucault


Este livro trata do espaço, da linguagem e da morte; trata do olhar. (FOUCAULT, 2011, VII). 

Foucault inicia sua abordagem sobre a linguagem: “a partir de que momento, de que modificação semântica ou sintática pode-se reconhecer que se transformou em discurso racional”? (FOUCAULT, 2011, IX).  O que ocorreu foi o deslocamento de um mundo dos objetos a conhecer; uma mudança entre o significante e o significado. A mutação do discurso deve ser dirigida à região em que as “coisas” e as “palavras” ainda estão interligadas (modo de ver e dizer; visível e invisível; o que se enuncia e o que é silenciado). O olhar loquaz do médico está centralizado a partir do nível da especialização e da verbalização fundante sobre o patológico: “Entre as palavras e as coisas se estabeleceu uma nova aliança fazendo ver e dizer às vezes, em um discurso realmente tão ‘ingênuo’ que parece se situar em um nível mais arcaico de racionalidade, como se se tratasse de um retorno a um olhar finalmente matinal”. (FOUCAULT, 2011, XI).   

A forma racional da medicina parte da percepção, neste momento o olho torna-se fonte de clareza. Foucault relata que segundo Descartes e Melenbranch: “ver era perceber”. (...) ”sem despojar a percepção do seu corpo sensível, torna-la transparente para o exercício do espírito”. Para Foucault a própria medicina moderna fixou sua data de nascimento, datando nos últimos anos do século XVIII: (...) “No final do século XVIII, ver consiste em deixar a experiência em sua maior opacidade corpórea; o solido; o obscuro, a densidade das coisas encerradas em si próprias têm poderes de verdade que não provem da luz, mas da lentidão do olhar que os percorre, contorna e, pouco a pouco, os penetra, conferindo-lhes apenas sua própria clareza.” (...) “Cabia a esta linguagem das coisas e, sem duvida, apenas a ela, autorizar, a respeito do individuo, um saber que não fosse simplesmente de tipo histórico ou estético”. (FOUCAULT, 2011, XII).

Até aqui é possível descrever que a experiência clinica foi abordada como um embate simplório, sem conceito, entre um olhar e um rosto, espécie de contato anterior a todo discurso e livre dos embaraços da linguagem, onde dois sujeitos estão em uma dialética comum, mas não recíproca: “A medicina dita liberal invoca, (...) os velhos direitos de uma clinica compreendida como contrato singular e pacto tácito de homem para homem”. (FOUCAULT, 2011, XIII); “A medicina como ciência clínica apareceu sob condições que definem, com sua possibilidade histórica, o domínio de sua experiência e a estrutura de sua racionalidade.” (FOUCAULT, 2011, XIV). Foucault aborda uma temática linguística em relação ao uso da palavra, colocando-a em seu âmago o comentário: “(...) comentar é, por definição, admitir um excesso do significado sobre o significante, um resto necessário não formulado do pensamento que a linguagem deixou na sombra, resíduo que é sua própria essência, impelida para fora de seu segredo.” (FOUCAULT, 2011, XV); Seu desdobramento será no que tange ao significante e o significado das palavras: “(...) um significante sempre permanece, a que ainda é preciso conceder a palavra; quanto ao significante, este se apresenta com uma riqueza que, apesar de nós, nos interrogar sobre o que ela ‘quer dizer’”. (FOUCAULT, 2011, XV).

Todo fato discursivo deve ser tratado como um acontecimento histórico e dialético entre o significante e o significado em constituição de seus sistemas estruturantes como símbolo de resignificação em ordem e métodos: “Falar sobre o pensamento dos outros, procurar dizer o que eles disseram é, tradicionalmente, fazer uma análise do significado”. (FOUCAULT, 2011, XVI).

O aparecimento da clínica como fato histórico, deve ser identificado com o sistema destas reorganizações. Esta nova estrutura se revela, mas certamente não se esgota na mudança que substituiu a pergunta: o que é que você tem? Por onde começava no século XVIII, o dialogo entre o médico e o doente, com uma gramática e seu estilo próprios, por outra que se reconhece no jogo da clínica e o principio de todo discurso: onde lhe dói”? (...) “A clínica..., deve sua real importância ao fato de ser uma reorganização em profundidade não só dos conhecimentos médicos, mas da própria possibilidade de um discurso sobre a doença”. (FOUCAULT, 2011, XVIII).

Ao final do prefácio Foucault relata que: “este livro não é escrito por uma medicina contra outra, ou contra a medicina por uma ausência de medicina”. (FOUCAULT, 2011, XVIII). O fato das coisas ditas pelo homem deve-se denotar seus pressupostos no principio das sistematizações em quesito há uma abertura a novos discursos e sua emergência em transformá-los.

Não houve, enfim, uma alteração dos conceitos, mas a descoberta de uma nova medicina (positiva), ou seja, de tal modo que a relação entre visível e invisível passou a fazer parte do olhar e da linguagem dos médicos. A clínica, que surge com a medicina moderna, passa a ser a nova experiência do médico com o perceptível e o enunciável, entre a doença e o organismo, entre a linguagem e a patologia. Aparece no campo do saber, uma reorganização da doença. A medicina do século XX, desenvolvida a partir da anátomoclínica, um tanto mais especializada. Foucault enfatiza, pela importância de sua ruptura, nas suas análises da clínica, que objetivou delimitar o espaço de desvelamento da doença em concomitância com a localização do mal no corpo. O olhar médico, antigamente, não se dirigia diretamente ao corpo, ao visível, mas aos intervalos de natureza, às lacunas, e às distâncias entre os signos, à doença: “o espaço do corpo e o espaço da doença têm liberdade de se deslocar um com relação ao outro”. (FOUCAULT, 2011, p.9).

A doença, com o olhar terciário, ganha uma dimensão social, passando agora a ser o centro de estudos e de atuações políticas para controle. O surgimento eminentemente terapêutico, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres, uma “institucionalização da miséria”, uma forma de impedir que existissem focos de desordem econômico e social; especialmente, de separação e exclusão social, pois o pobre portador de doença seria ainda mais perigoso, estigmatizando-o, portanto, na sua condição de miséria: Terciaria não significa que se trate de uma estrutura derivada e menos essencial do que as precedentes; ela implica um sistema de opções que diz respeito à maneira como um grupo, para se manter e se proteger, pratica exclusões, estabelece as formas de assistência, reage ao medo da morte, recalca ou alivia a miséria, intervém, reage as doenças ou as abandona a seu curso natural.  (FOUCAULT, 2011, p.16). Anteriormente as civilizações adoeciam menos, mas com o advento da burguesia, as doenças se diversificaram; a doença que era anteriormente tratada na residência, em  seu lugar natural, agora sofrerá uma intervenção, passando a ser tratada nos hospitais, sendo o mesmo uma espécie de estrutura artificial: “O hospital, como a civilização, é um lugar artificial em que a doença, transplantada, corre o risco de perder seu aspecto essencial”.” (...) Essa solidão povoada e esse desespero perturbam, com as sadias reações do organismo, o curso natural da doença”. “(...) O lugar natural da doença é o lugar natural da vida – a família: doçura dos cuidados espontâneos, testemunho do afeto, desejo comum da cura”.  (FOUCAULT, 2011, p.17-18).  

O hospital existia há tempos, porém a medicina como ciência não estivesse presente, era uma prática não hospitalar, e se destinava não como meio de cura. Mas antes de se operar essa mudança no olhar médico, e, sem dúvida da medicina e das instituições, os hospitais representavam, verdadeiros lugares de mortes coletivas. Resumia-se num lugar de transição entre a vida e a morte, de separação entre a população e os indivíduos perigosos à saúde geral. Os hospitais, sobretudo o Hospital Geral, até o século XVIII, como lugares de internamento, onde se misturavam loucos, doentes, devassos, prostitutas, como forma de exclusão, assistência e transformação espiritual. Os hospitais tinham, portanto, fundamental relevância para a disposição política do Estado, pois se tornavam indispensáveis à estrutura social, como forma de proteção: “O hospital, que em sua forma mais geral só traz os estigmas da miséria, aparece no nível local como indispensável medida de proteção. Proteção das pessoas sadias contra a doença; proteção dos doentes contra as práticas das pessoas ignorantes.” (FOUCAULT, 2011, p.44-45). A experiência de vigilância hospitalar, no interior da instituição esta a serviço de registrar as constâncias, as generalidades e os elementos particulares das doenças. Na formação do médico, se restringia a uma simples leitura dos poucos livros e de seguir os modelos padrões.

Entra-se aqui o momento da “crise” ou do “surto” era de suma importância, pois era somente ali que o médico interferia sobre o doente e a doença. Ficavam, separados os médicos, hospital e medicina, e um dos grandes fatores para a transformação dos hospitais como assistência para os hospitais terapêuticos, não foi simplesmente a busca de uma melhora da atuação dos hospitais, mas, sobretudo, a anulação dos efeitos negativos e nocivos ao desenvolvimento de novas patologias: “Será preciso conceber uma medicina suficientemente ligada ao Estado para que, de comum acordo com ele, fosse capaz de praticar uma política constante, geral, mas diferenciada de assistência; a medicina torna-se tarefa nacional”. (...) “A boa medicina deverá receber do Estado testemunho de validade e proteção legal; a ele cabe ‘estabelecer a existência de uma verdadeira arte de curar’”. (FOUCAULT, 2011, p.20-21).

Com a tecnologia política “disciplina”, os hospitais são deslocados para a periferia dos centros urbanos a fim de ofuscar da população sua real situação. A medicina presente nos hospitais, não é a partir de um cuidador religioso, pois o médico passa a ser a figura principal do hospital. Os médicos passam a acompanhar a vida dos doentes, antes destinadas aos abastados, quando iam pessoalmente às suas casas. Ganham um estatuto político: “A primeira tarefa do medico é, portanto política: a luta contra a doença deve começar por uma guerra contra os maus governos; o homem só será total e definitivamente curado se for primeiramente liberto”. (FOUCAULT, 2011, p.35). Surgem junto com os médicos, em virtude de uma alteração na medicina, uma nova hierarquia nos hospitais, compostas por enfermeiros, alunos, assistentes, etc., bem como uma nova visão dos doentes, que passam a ser identificados por pulseiras, formam-se bancos de dados e registros, transformando o hospital, não em simples terapia, mas, sobretudo, em cadastro documental, de acúmulo de saber e informação. Nesse contexto, o saber médico sai dos artigos e grandes tratados para fazer parte do dia-a-dia do hospital, e o ensino médico deve passar obrigatoriamente pelas práticas hospitalares, surgindo então a “clínica”, como espaço de organização do hospital e lugar de formação e transmissão de saber: “A medicina não deve mais ser apenas o corpus de técnicas da cura e do saber que elas requerem; envolverá, também, um conhecimento do homem saudável, isto é, ao mesmo tempo uma experiência do homem não doente e uma definição do homem modelo”. (FOUCAULT, 2011, p.37).

A medicina, agora no hospital, de forma singular analisa o doente e as suas doenças; os médicos e estudantes passam a observa-los, levando o ensino dos bancos escolares ao dia-a-dia hospitalar: “A clinica compreende duas partes: ‘no leito de cada doente o professor deter-se-á o tempo necessário para interrogá-lo de modo satisfatório, para examiná-lo convenientemente; fará dos alunos observarem os signos diagnosticados e os sintomas importantes da doença’; em seguida, o professor retomará no anfiteatro a história geral das doenças observadas nas salas do hospital: indicará as causas ‘conhecidas, prováveis e ocultas’, enunciará o prognostico e dará as indicações ‘vitais’, ‘curativas’ ou ‘paliativas’ (FOUCAULT, 2011, p.77). A clínica estabelece um novo código de saber, não sendo mais um mero olhar de um observador, mas o de um médico apoiado e justificado pela instituição, que passa a ter poder de decisão e intervenção, conjugando um domínio hospitalar, da prática, e um domínio pedagógico, do conhecimento: “(...) com relação a seu objeto, esta não deve, com efeito, ter lacunas; e não deve permitir desvio algum na linguagem em que ela o transcreve: “O rigor descritivo será a resultante de uma precisão no enunciado e de uma regularidade na denominação.” (FOUCAULT, 2011, p.125). Um olhar que escuta e um olhar que fala um novo equilíbrio entre a palavra e o fantástico: “Com relação ao ser individual e concreto, a doença nada mais é do que um nome; em relação aos elementos isolados de que está constituída, tem a arquitetura rigorosa de uma designação verbal.” (FOUCAULT, 2011, p.131).

A medicina moderna construiu a vida, pela primeira vez, como um objeto. A clínica moderna construiu a vida colocando-a sobre a mesa de dissecção, sob o signo do corpo inanimado que é analisado, do cadáver: “(...) A experiência da anatomoclínica... aquela em que se articulam as formas reconhecíveis da história patológica e os elementos visíveis que aparecem quando ela acaba... A abertura dos cadáveres é o meio de adquirir esse conhecimento; mas para que ela adquira uma utilidade direta... é preciso acrescentar-lhe a observação dos sintomas ou das alterações de funções, que coincidem com cada espécie de alterações de órgãos”. (FOUCAULT, 2011, p.149). Já a medicina construiu o objeto que é a vida a partir de seu contrário, da morte: “O olhar medico gira sobre si mesmo e pede à morte contas da vida e da doença; à sua imobilidade definitiva pede contas de seus tempos e de seus movimentos... Mas Bichat fez mais do que libertar a medicina do medo da morte; ele integrou a morte em um conjunto técnico e conceitual em que ela adquiriu suas características especificas e seu valor fundamental de experiência... Abram alguns cadáveres: logo verão desaparecer a obscuridade que apenas a observação não pudera dissipar. A noite viva se dissipa na claridade da morte”: (FOUCAULT, 2011, p.162). Foucault explica que é sob a luz da morte que nós podemos adentrar na obscuridade da vida. É graças ao esclarecimento que nos dar o cadáver, que podemos estudar cientificamente, que podemos enfim, entender o mistério e a obscuridade do corpo com a vida. A experiência da vida é obscura, mas o conhecimento do cadáver é claro.

No viés da patologia, perpassa por uma nova epistemologia da doença, uma nova análise do visível e do invisível, uma importante disposição do saber.A estrutura perspectiva clínica, e toda a medicina que dela deriva, é a da invisível visibilidade. A verdade que, por direito de natureza, é feita para o olho, lhe é arrebatada, mas logo sub-repticiamente revelada por aquilo que procura esquivá-lo”. (FOUCAULT, 2011, p.183). Para Foucault acabou o tempo da medicina das doenças e começa agora uma nova medicina, há das reações patológicas: “O espaço da doença é, sem resíduo nem deslizamento, o próprio espaço do organismo. Perceber o mórbido é uma determinada maneira de perceber o corpo”. (FOUCAULT, 2011, p. 212).

A grande revolução da medicina para Foucault é datada a partir do século XIX com Broussais, delimitando assim as estruturas médicas: “A revolução médica de Broussais lança os fundamentos em 1816 é, incontestavelmente, a mais notável que a medicina sofreu nos tempos modernos”. (FOUCAULT, 2011, p.214).  

Anterior ao nascimento da clínica a vida estava como objeto do poder. Foucault relata que a visão médica mudou no inicio do século XIX, quando surge a medicina moderna, e esta, não consiste apenas em uma mudança de visão sobre a vida, mas que foi a primeira que considerou a vida como um objeto. Foi o primeiro tipo de saber que tratou a vida como um objeto, ou seja, não tratou a vida como um princípio metafísico, e tampouco a tratou como uma essência do homem, mas que a tratou como um objeto, pesquisando seus mecanismos, dissecando-a para transformá-la em um objeto de saber-poder. Na constituição cientifica da vida, procurava-se a alma no corpo, em seguida, até então, procurava-se outra coisa, ou seja, um simples mecanismo que trabalha dentro de um organismo. “A doença se desprende da metafísica, do mal com quem, há séculos, estava aparentada, e encontra na visibilidade da morte a forma plena em que seu conteúdo aparece em termos positivos. Pensada com relação à natureza, a doença era negativo indeterminável cujas causas, formas e manifestações só se ofereciam de viés e sobre um fundo sempre recuado; percebida com relação à morte, a doença se torna exaustivamente legível, aberta sem resíduos à dissecção soberana da linguagem e do olhar. Foi quando a morte se integrou epistemologicamente à experiência medica que a doença pôde se desprender da contranatureza e tomar corpo no corpo vivo dos indivíduos”. (FOUCAULT, 2011, p.216-7).

Da Desrazão nasceu a Psicologia, da morte nasceu a Medicina; a finitude e a infinitude: “(...) a importância da medicina para a constituição das ciências do homem: importância que não é apenas metodológica, na medida em que ela diz respeito ao ser humano como objeto de saber positivo. A possibilidade de o individuo ser ao mesmo tempo sujeito e objeto de seu próprio conhecimento implica que se inverta no saber o jogo da finitude”. (FOUCAULT, 2011, p.217). E quanto a Clínica medica: A formação da medicina clínica é apenas uma das mais visíveis testemunhas dessas mudanças nas disposições fundamentais do saber”.  (FOUCAULT, 2011, p.219).


Referência

FOUCAULT. M. O Nascimento da Clínica, Ed. Forense Universitária, 7ª edição, 2011, 4ª reimpressão, 2015.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Felicidade, o que é?



Descrever, ouvir ou falar sobre o que é, ou o que venha a ser felicidade, tarefa não das mais simplórias. Este conceito de felicidade passa a largos passos da sua principal implicação. Se um sujeito entrevistado sobre os seus sentimentos e afetos, se coloca a respondê-las a priori é uma percepção intrínseca a autorrealização. O conceito de sentimento de felicidade, perpassa por aquele momento único e intransferível de alegria.

O conceito de felicidade é muito amplo, e está para além das palavras; ele é puro e simplesmente subjetivo em sentido lato. O sentimento afetivo de felicidade é strictu sensu, são sensações que se dá em um instante, ela é um estado de espírito; já a percepção é subjetivo e aqui implica sinceridade do sujeito com ele mesmo.

Em uma dissolução sobre quem é ou não é feliz, implicaria uma atitude ética; porque seria uma espécie de análise perspicaz que envolveria juízos de valor. Para um sentimento, um afeto enfim, colocar o outro neste posicionamento seria uma incapacidade dialética diante do olhar e do sentimento de outrem. Esta mensuração é e pode ser possível de sentir e perceber a partir do olhar sobre o outro numa dialética de espera aonde o corpo do outro demonstra, e é nesta leitura também subjetiva com implicações entre o significante e o significado (que não passa de uma subjetividade do observador).

Enfim, felicidade ou infelicidade é algo muito caro a humanidade, porque a felicidade é como uma espécie de termômetro para verificação das temperaturas emocionais de uma sociedade que tem sua cultura, seus costumes, suas histórias e suas transgressões; não seria possível colocar tudo dentro de um caixote e delimitar o que é e o que não é “felicidade”; poderia falar-se-á em “felicidades”? Então, felicidade seria uma sensação e uma percepção que é intransferível, é tão subjetivo que para uns pode ser o reconhecimento pessoal, já para outros um momento de alegria, etc...






terça-feira, 23 de agosto de 2016

Filosofia? Para que serve?




A filosofia trata dos “por quê”, enquanto a ciência dos “como”. O filosofo britânico Bertrand Russell, diz: “a Filosofia é a ciência dos resíduos”. Ele quer dizer que: quando um conhecimento obtém alguma precisão no campo filosófico, este perde o nome de Filosofia e ganha um nome específico: Física, Química, Psicologia, etc. Ela faz perguntas incessantes até obter respostas, ao longo do encontro de seu objetivo que é perguntar (colocar em interrogação tudo que lhe for duvidoso), as respostas vão surgindo e o que se torna cientifico sai do campo filosófico, e o que resta, são os resíduos para questionamentos filosóficos que implicam em novos conhecimentos. O valor da filosofia, na realidade, deve ser buscado, em grande medida, na sua própria incerteza. A filosofia, apesar de incapaz de nos dizer com certeza qual é a verdadeira resposta para as dúvidas que ela própria levanta, é capaz de sugerir numerosas possibilidades que ampliam os nossos pensamentos, livrando-os da tirania do hábito. Desta maneira, embora diminua o nosso sentimento de certeza com relação ao que as coisas são, aumenta em muito o nosso conhecimento a respeito do que as coisas podem ser; ela remove o dogmatismo um tanto arrogante daqueles que nunca chegaram a empreender viagens nas regiões da dúvida libertadora; e vivifica o nosso sentimento de admiração, ao mostrar as coisas familiares num determinado aspecto não familiar.